São Paulo, domingo, 11 de dezembro de 2005

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RELIGIÃO

Comissão ligada ao Vaticano debate se criança sem o batismo vai para o limbo

Teólogos discutem destino de criança pagã após a morte

FÁBIO CHIOSSI
DA REDAÇÃO

Em reunião da Comissão Internacional de Teologia realizada na última semana, no Vaticano, seus 29 membros trataram, entre outros assuntos, do limbo.
Comumente conhecido como lugar para o qual, de acordo com a doutrina católica, vão as crianças que morrem sem ser batizadas, o limbo não é um dogma, ou seja, não é um ponto sobre o qual não cabe discussão na igreja.
Segundo o padre Geraldo Luis Hackmann, o único membro brasileiro dessa comissão, que é o principal corpo consultivo da Congregação para a Doutrina da Fé, o limbo surgiu nas discussões como um assunto derivado de outra questão, mais importante, que é a "sorte das crianças que morrem sem batismo".
O assunto fundamental é o que acontece com essas crianças, diz o padre Hackmann, que é professor de teologia dogmática da PUC-RS, afirmando que o limbo entra como uma questão vinculada a essa.

Salvação
Quem explicou à Folha a relação entre o limbo -que parte da imprensa internacional chegou a dizer que poderia estar "chegando ao fim"- e o batismo foi o padre João Batista Libânio, jesuíta, teólogo, professor do Instituto Santo Inácio, em Belo Horizonte.
De acordo com a tradição católica, disse o padre Libânio, só adquirem a salvação eterna as pessoas que receberam ou o batismo da água -que é um sacramento da igreja-, ou o batismo do sangue -que é o martírio-, ou o batismo "do desejo". Este último, diz o teólogo, é o de pessoas adultas que praticam a justiça de Deus. "Quem não cumprir uma dessas três condições", diz o padre Libânio, "não se salva."
Surge então a questão da criança que morre sem ser batizada (pela água), que não foi martirizada e que não pôde ter sido batizada pelo desejo, pois não atingiu a idade em que toma consciência da ação justa. O que acontece com ela?
De acordo com o professor do Instituto Santo Inácio, "há dois destinos possíveis". Um deles é a condenação, mas essa visão não é aceita pela teologia hoje, por ser "muito violenta". Então a criança segue para o outro destino possível, que é o limbo.
O limbo é um lugar neutro. "Nele, a criança nem sofre nem está no céu, mas teria a felicidade natural, como a que nós temos aqui na Terra", diz o pare Libânio. Felicidade essa, deve-se ressaltar, diferente da que vem com a salvação, a qual "supõe a graça de Deus".

Escolhas
Porém, afirma Libânio, muitos teólogos crêem que não exista o limbo.
Nesse caso, o que aconteceria, então, com as crianças mortas antes do batismo?
Entre as diversas correntes de reflexão sobre esse problema, o padre Libânio afirma que a mais comum é a que reza que seria oferecida a elas, no momento da morte, a opção pela salvação eterna -mas como uma criança, que não chegou ao nível da consciência, pode escolher algo, ainda mais se quer ser salva para sempre ou não?
Ao morrer, responde o padre, a pessoa se liberta das limitações da vida terrena, e passa a ser capaz de enxergar claramente o bem e o mal -independentemente da idade com a qual tenha morrido. Em face dessa opção, a criança escolheria, claro, a salvação eterna.
Assim, em não havendo o limbo, o batismo pela água tem sua importância relativizada: "Para que batizar a criança se ela, ao morrer antes do batismo, pode se salvar?", pergunta o padre Libânio -pergunta essa retórica, pois Libânio diz que a verdadeira importância do batismo é iniciar a educação católica da pessoa, e não salvá-la do pecado original.
O padre Hackmann diz que não há uma corrente dominante na teologia acerca do destino das crianças que morrem sem ser batizadas, e que é para definir isso que esse é um dos temas que a Comissão Teológica Internacional está discutindo.

Em progresso
Sobre os rumos dessa discussão, o padre Hackmann disse que não pode adiantar nada: "Ela ainda está em progresso". E a próxima reunião de seus membros será apenas em outubro de 2006, antes de quando nenhuma conclusão sobre o assunto sairá.
O teólogo da PUC-RS diz ainda que a questão do batismo das crianças foi escolhido como tema de discussão da comissão porque "é um tema que aflige muitos pais que não tiveram condições de batizar o seus filhos".
Já o padre João Batista Libânio afirma que o papa João Paulo 2º não gostava da corrente de pensamento que relativizava a importância do batismo. Para o antecessor de Bento 16, diz o teólogo jesuíta, o batismo da criança deveria ser valorizado por causa da influência das outras religiões na formação das crianças -obviamente não desejáveis. Eis por que João Paulo 2º teria pautado essa discussão.
Já o padre Hackmann diz que o tema está sendo discutido "pela necessidade de dar uma resposta à preocupação, à angústia" dos pais cujos filhos morrem antes do batismo.
A atual constituição da Comissão Teológica Internacional foi convocada para trabalhar no qüinqüênio de 2004 a 2008. Seus membros, teólogos de diversos países, são escolhidos pela Santa Sé. Os temas que ela debaterá também. Suas conclusões são recomendações à Congregação para a Doutrina da Fé, que podem ser acatadas ou não, como informa o vaticanista americano John Allen Jr. em coluna no site "National Catholic Reporter".
Allen Jr. conta que, em 1977, a comissão publicou um documento sobre um determinado tópico que foi mais simpático à Teologia da Libertação do que a instrução da Congregação para a Doutrina da Fé que foi efetivamente promulgada.


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