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ANÁLISE
Resposta humanitária teve incoerências
Mesmo com 12 mil ONGs operando no país, não se evitou um surto de cólera, que deixou mais de 3.000 mortos
TYLER FAINSTAT
ESPECIAL PARA A FOLHA
Há exatamente um ano o
mundo assistia comovido à
tragédia que se abatia sobre o
Haiti com o terremoto que
matou mais de 200 mil pessoas e deixou outras 1,5 milhão desabrigadas.
Mesmo para uma organização como o Médicos Sem
Fronteiras (MSF), que acumula quase 40 anos de experiência em situações catastróficas, o cenário era impressionante. Foi a maior
emergência já enfrentada
por nós.
Perdemos 12 pessoas da
equipe de 800 profissionais
que já trabalhavam no Haiti
desde 1991.
Alguns se feriram; outros
perderam seus familiares e
amigos; e muitos ficaram desalojados.
Essas pessoas driblaram
as suas dores rapidamente e,
apenas minutos depois do
terremoto, já atendiam as
primeiras vítimas em locais
improvisados.
Transformaram estacionamentos e ruas em grandes
hospitais a céu aberto, já que
dois dos nossos três hospitais
haviam sido destruídos.
Ao redor do mundo, a reação das pessoas também foi
proporcional à magnitude do
terremoto. Milhares de dólares foram arrecadados para a
emergência.
Atualmente, o Haiti abriga
um dos maiores e mais ricos
esquemas de ajuda humanitária do mundo. Estima-se
que 12 mil organizações não-governamentais estejam hoje no país. No entanto, mais
de um milhão de pessoas vivem em tendas, em condições deploráveis.
CÓLERA
O surto de cólera que o
país vem enfrentando desde
outubro do ano passado é a
triste constatação da falha da
ajuda humanitária.
Com tantas organizações
atuando no país, como uma
doença tão facilmente tratada e controlada pode ter causado a morte de mais 3.000
pessoas?
Depois do terremoto, pouco se fez para melhorar o saneamento no país, o que permitiu a propagação da cólera
num ritmo vertiginoso.
Dez dias após o surto que
atingiu Porto Príncipe, os habitantes de Cité Soleil, a
maior favela da capital, ainda não tinham acesso a água
potável clorada, embora várias organizações do grupo
de água e saneamento coordenado pela ONU tenham
captado recursos para isto.
INCOERÊNCIAS
O surto revelou incoerências como as campanhas de
combate à cólera que "educavam" os haitianos para
que eles lavassem as mãos
antes de comer, sem levar em
conta que, mesmo antes do
terremoto, apenas 12% dos
9,8 milhões de haitianos tinham acesso à água tratada,
de acordo com Centros de
Controle de Doenças dos Estados Unidos.
É claro que é fundamental
levar educação para a população, mas é preciso também
haver investimentos em infraestrutura de água e de saneamento.
O surto de cólera no Haiti
deixou claro que a comunidade humanitária, em geral,
não foi capaz de evitar mortes desnecessárias.
Ainda há muito por fazer
por uma população tão tragicamente afetada por uma catástrofe atrás da outra.
TYLER FAINSTAT é diretor-executivo da
ONG Médicos Sem Fronteiras no Brasil
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