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Tecnologia serviu para contar judeus, afirma livro
MARCOS GUTERMAN
EDITOR-ADJUNTO DE MUNDO
Em uma das salas do Museu do
Holocausto de Washington há
uma máquina da IBM para tabulação de dados em cartões perfurados. Segundo o texto que o
acompanha, o engenho, produzido a partir de um modelo inventado por Hermann Hollerith, é semelhante ao que serviu para que a
Alemanha nazista fizesse recenseamentos demográficos levando
em consideração informações sobre a religião e a raça dos entrevistados, com o objetivo de identificar quem era judeu.
O norte-americano Edwin
Black, em seu livro "IBM e o Holocausto", sustenta que essas máquinas facilitaram consideravelmente a tarefa de tentar eliminar
os judeus da Europa, o que provavelmente é verdade, e atribui à
IBM o papel de sócio de Hitler na
empreitada, o que certamente é
um exagero.
O livro está saindo hoje em 17
países, inclusive no Brasil, e seu
lançamento foi cercado de sigilo,
o que serve para alavancar publicidade e evitar resenhas negativas
de especialistas no assunto.
Black, que é jornalista, não historiador, descreve como a Dehomag, subsidiária alemã da IBM,
forneceu máquinas e tecnologia
para que o regime nazista contasse judeus, controlasse horários de
trens para deportações e facilitasse o funcionamento dos campos
de extermínio.
O autor sustenta que o Holocausto foi mais letal graças à tecnologia da IBM, o que é uma simplificação perigosa -sabe-se que
os nazistas contavam sobretudo
com uma formidável malha de
colaboradores e informantes,
muitos deles judeus, para eliminar suas vítimas.
O eixo do livro é a tentativa de
Black de encontrar em Thomas J.
Watson, o todo-poderoso executivo da IBM nos EUA, um "Hitler
do capital", um homem insensível
ao drama dos judeus, preocupado
somente com os lucros de sua empresa.
Para reforçar essas impressões,
Black revela que Watson era chamado dentro da IBM de "o líder",
algo como "o führer" -para o
autor, um exemplo do amálgama
entre os dois deu-se em 1937,
quando o segundo homenageou
o primeiro com uma medalha,
devolvida por Watson somente
em 1940, quando a guerra estava
em curso e Hitler já era o inimigo
declarado do mundo.
O envolvimento de grandes empresas com o Terceiro Reich, com
participação mais ou menos decisiva na matança de judeus, é um
fato conhecido. Corporações alemãs hoje perfeitamente integradas à vida das pessoas comuns de
todo o mundo, como Siemens,
Volkswagen e BMW, tiveram seus
dias de cumplicidade com a máquina nazista.
Mas é compreensível que empresas da Alemanha participassem -inclusive por afinidade
ideológica, em vários casos- da
empreitada de Hitler. O que não é
compreensível, diz Black, é que
uma empresa norte-americana o
fizesse.
Black pede que seu livro seja
compreendido no contexto histórico que ele mesmo parece ignorar. O meio século que o separa
dos fatos narrados lhe dá uma espécie de "conforto moral" para
julgar o comportamento daqueles
que não condenaram Hitler na
primeira hora.
A título de "contexto", Black usa
à exaustão manchetes do "The
New York Times" sobre a perseguição aos judeus na Alemanha
nos anos 30, para mostrar que a
IBM e seus dirigentes tinham como saber o que estava ocorrendo,
mas, mesmo assim, continuaram
a fornecer ao Reich seus serviços.
Pelo menos até o pogrom da
Noite dos Cristais (1938), porém,
tudo o que a Alemanha fez contra
os judeus era a regra, não a exceção, numa Europa habituada a
tratar judeus como párias. Isto é:
do ponto de vista da época, leis
que excluíssem os judeus da vida
civil de um país europeu não causavam comoção, pois eram comuns.
Para ler "IBM e o Holocausto" é
preciso também atravessar clichês como "era necessário um bode expiatório, e culparam os judeus por tudo", bobagens como
"o fascismo, sistema político totalitário controlado pelo Estado, foi
inventado por Mussolini" e discursos pueris como "a alvorada
da era da informação começava
com o ocaso da decência humana".
Apesar disso, a Black não se pode negar o mérito de ter obtido e
estudado documentos em quantidade suficiente para tornar inquestionável a participação da
IBM nos esforços nazistas, adicionando combustível à discussão
sobre a ausência de uma distinção
clara entre mocinhos e bandidos
em relação ao Holocausto. As vítimas, todos sabemos quem foram.
Sobre os vilões, pelo jeito, ainda
há muitos a descobrir.
"IBM e o Holocausto" - Editora Campus, 624 páginas, R$ 54.
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