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HUMOR ISLÂMICO
Repressão em países árabes faz desenhos publicados em jornais privilegiarem questões internacionais
Israel é alvo preferido de charges islâmicas
LEILA SUWWAN
DE NOVA YORK
O vilão quase invariavelmente
leva a estrela de Davi no braço ou
usa uniforme de Tio Sam. O presidente americano, George W.
Bush, sua secretária de Estado,
Condoleezza Rice, e o primeiro-ministro israelense, Ariel Sharon,
são monstros, açougueiros ou esqueletos. Esse é o padrão de boa
parte das charges políticas pelos
países árabes, que tratam mais de
relações externas que internas,
com senso de humor mais burlesco que irônico.
Com a controvérsia, nas últimas
semanas, das charges dinamarquesas que retratam o profeta
Muhammad -algumas delas
vinculam sua imagem ao terrorismo, como uma em que ele usa um
turbante-bomba- aumentaram
as charges contra Israel.
"Não temos nada a ver com isso,
mas é comum Israel virar o alvo
árabe em qualquer polêmica, inclusive a polêmica sobre o programa nuclear iraniano", diz Susan
Heller-Pinto, diretora de estudos
de Oriente Médio da ADL (Liga
Anti-Difamação), grupo que analisa a imprensa e as charges árabes
para rastrear e expor tendências
anti-semitas.
Um exemplo é uma charge que
pede um boicote a produtos dinamarqueses -no caso um queijo
podre em forma de estrela de Davi- publicada no diário "Akhbar
al Khalij", de Bahrein.
Para o chargista palestino Baha
Boukhari, que publica no "Al Ayyam", nos territórios palestinos,
as charges dinamarquesas são
"tecnicamente pobres" e não deveriam ter sido levadas a sério.
"Claro que respeitamos a liberdade de expressão, mas há uma
diferença entre opinar e insultar
nações e religiões. Eu culpo líderes árabes por abordar a questão
de forma a incitar extremistas e
ignorantes", disse Boukhari.
"Meu trabalho como chargista é
criar um sorriso, não a raiva."
O conflito árabe-israelense é
sempre um destaque, alvo fácil
quando governos árabes restringem ou limitam as autocríticas, e
muitas charges são consideradas
anti-semitas por ativistas judeus e
estrangeiros por cruzar a linha
política e entrar em campo histórico e religioso.
Porém, conforme apontam
analistas nos Estados Unidos e em
Israel, houve uma evolução qualitativa nas charges pelo mundo
árabe, que começam a abordar
frontalmente questões como o
terrorismo e a opressão de governos autoritários e antidemocráticos -até em países de regime islâmico, como a Arábia Saudita.
Para Geoff Porter, analista da
consultoria de risco político Eurasia, as charges no norte da África
tendem a ter humor mais sardônico e irônico que na região do
Egito, territórios palestinos, Líbano e Síria, que teriam humor menos sofisticado e mais zombeteiro. Porter acompanha e traduz a
mídia árabe e, na sua avaliação, a
vilificação de figuras ocidentais é
homóloga ao que ocorre nas charges européias ou americanas.
"Eu tenho o cuidado de verificar
se a vilificação é maior do que no
ocidente", afirmou ele à Folha.
"Mas o que vi até agora é que as figuras políticas são brutalizadas,
sem rédeas, tanto quanto líderes
muçulmanos. Os principais
exemplos são o Muammar Gaddafi [ditador da Líbia] e [o presidente iraniano] Mahmoud Ahmadinejad."
Porter nota que, em países de
governo islâmico, o controle de
governo previne a sátira de questões internas. Por conta disso, a
política internacional vira o foco
favorito.
Ainda assim, muitas charges
abordam assuntos delicados, como uma publicada no Líbano sobre métodos de "suicídio": franceses na banheira, soviéticos com
tiros de roleta russa e sírios com
execuções por agentes secretos.
Outros exemplos incluem ironias com o teor pseudodemocrático das eleições presidenciais
egípcias, o autoritarismo e a falta
de reformas em vários países árabes, além do terrorismo.
Terrorismo
Segundo a pesquisadora Aluma
Dankowitz, do Memri (Instituto
de Pesquisa da Mídia do Oriente
Médio, com sedes em Washington e Jerusalém), atentados terroristas só viraram tema de charges
árabes quando o problema atinge
a região.
"Foi somente quando extremistas islâmicos começaram a alvejar
outros muçulmanos em países
árabes que surgiu um debate sobre ataques suicidas em nome da
religião", afirma Dankowitz. Em
seus estudos, ela aponta charges
que mostram o terrorismo como
algo equivalente ao nazismo ou
como uma faca nas costas dos
países árabes.
Muitas das charges, porém,
mostram que os Estados Unidos
alimentaram o terrorismo (com
uma mamadeira em forma de
míssil, por exemplo, como o desenho nesta página) ao invadirem o
Afeganistão e o Iraque.
Na Arábia Saudita, uma charge
criticou a opressão do povo, retratado preso numa garrafa de "Absolute Power", alusão à vodca Absolut -álcool é proibido no país.
Uma charge palestina ironiza a vitória do grupo terrorista Hamas,
mostrando o povo preocupado
apenas em saber se vão receber
salário -a Autoridade Nacional
Palestina é o maior empregador
da população.
Quando o assunto é religião, as
charges se aproximam de território arriscado. A rigor, o islã proíbe
imagens de profetas para evitar a
idolatria. Portanto, nenhuma das
três religiões monoteístas -judaísmo, cristianismo e islamismo- é satirizada frontalmente.
"Há restrição religiosa, sobretudo com o islã. Mas, para ser justo,
isso ocorre do mesmo modo que
nos Estados Unidos há restrição
com o judaísmo e o cristianismo:
é politicamente incorreto e haverá
forte repercussão entre grupos religiosos", disse Porter.
A questão é mais complexa sob
o ponto de vista da ADL. "Às vezes, a estrela de Davi é usada como um símbolo legítimo -afinal,
está na bandeira israelense. Mas
as vezes está ligada a um sentimento antijudeu", disse Susan
Heller-Pinto, fazendo referência a
uma charge com um palestino
crucificado na estrela de Davi, em
alusão à morte de Jesus Cristo.
Para ela, linha é cruzada quando
há desrespeito à memória da
morte de judeus no Holocausto,
com vulgarizações da história ou
comparações provocativas do nazismo com Israel.
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