São Paulo, Sexta-feira, 12 de Fevereiro de 1999
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Entenda o conflito entre conservadores e moderados

JONATHAN LYONS
da "Reuters", em Teerã

A República Islâmica do Irã começa sua terceira década de vida sem ter a certeza de poder fazer jus ao nome.
Nascida da revolta generalizada contra a corrupção e a ocidentalização excessiva imposta pelo xá Reza Pahlevi, a Revolução Islâmica de 1979 e o Estado que engendrou nunca chegaram a resolver o enigma fundamental de sua origem.
A intenção era que fosse um Estado islâmico presidido por uma elite de clérigos ou uma república governada pela vontade popular? Em outras palavras, é possível que o Irã seja islâmico e uma república ao mesmo tempo?
Seguros de que a figura carismática do aiatolá Khomeini era feita sob medida para exercer a liderança política e espiritual do país, os fundadores da República Islâmica não chegaram a decidir a questão.
Mas sua morte, em 1989, deixou um legado de poderes que ameaça paralisar o Estado diante da escalada dos problemas sociais, políticos e econômicos. Na base do impasse político interno se encontra uma discussão filosófica peculiar ao Irã.
Qual é o verdadeiro instrumento da vontade de Deus numa república islâmica? O poder político máximo deve estar nas mãos de teólogos capacitados a interpretar a lei sagrada? Ou com a população, expressão do gênio de Deus, que exerce a soberania em seu nome?
O problema se fez sentir com mais força com a eleição, em 97, de Mohamad Khatami, o presidente que acabou por personificar as aspirações republicanas no país.
Khatami, um clérigo xiita moderado e bom conhecedor da filosofia ocidental, chegou ao poder depois de uma vitória eleitoral arrasadora na qual recebeu quase 70% dos votos, derrotando o candidato do establishment conservador.
Sua promessa de introduzir uma sociedade civil no Irã e garantir a obediência às leis dinamizou o eleitorado e assustou a elite religiosa, pouco acostumada a ouvir a opinião pública.
Um diplomata ocidental diz que "a opinião pública constitui o novo fator surpresa no Irã. Os conservadores temem seu poder. Ninguém sabe até que ponto ela é forte, e pode ser arriscado descobrir".
O resultado é um frágil equilíbrio de poder no qual praticamente todas as questões nacionais, desde as relações com os EUA até a política econômica e social, hoje são formuladas em termos do conflito entre o poder popular e o clerical.
Em nenhum lugar isso se evidencia mais claramente do que na luta por influência entre os tradicionalistas reunidos em torno da instituição -mas não necessariamente da pessoa- do líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei, e os reformistas que apoiam Khatami.
Tanto Khamenei quanto Khatami são clérigos xiitas respeitados. Mas Khamenei foi indicado por um agrupamento obscuro de teólogos conservadores e incumbido de dar a palavra final nos assuntos de Estado, enquanto Khatami foi eleito numa onda de entusiasmo genuinamente popular.


Tradução de Clara Allain


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