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Entenda o conflito entre conservadores e moderados
JONATHAN LYONS
da "Reuters", em Teerã
A República Islâmica do Irã começa sua terceira década de vida
sem ter a certeza de poder fazer jus
ao nome.
Nascida da revolta generalizada
contra a corrupção e a ocidentalização excessiva imposta pelo xá
Reza Pahlevi, a Revolução Islâmica
de 1979 e o Estado que engendrou
nunca chegaram a resolver o enigma fundamental de sua origem.
A intenção era que fosse um Estado islâmico presidido por uma
elite de clérigos ou uma república
governada pela vontade popular?
Em outras palavras, é possível que
o Irã seja islâmico e uma república
ao mesmo tempo?
Seguros de que a figura carismática do aiatolá Khomeini era feita
sob medida para exercer a liderança política e espiritual do país, os
fundadores da República Islâmica
não chegaram a decidir a questão.
Mas sua morte, em 1989, deixou
um legado de poderes que ameaça
paralisar o Estado diante da escalada dos problemas sociais, políticos
e econômicos. Na base do impasse
político interno se encontra uma
discussão filosófica peculiar ao Irã.
Qual é o verdadeiro instrumento
da vontade de Deus numa república islâmica? O poder político máximo deve estar nas mãos de teólogos capacitados a interpretar a lei
sagrada? Ou com a população, expressão do gênio de Deus, que
exerce a soberania em seu nome?
O problema se fez sentir com
mais força com a eleição, em 97, de
Mohamad Khatami, o presidente
que acabou por personificar as aspirações republicanas no país.
Khatami, um clérigo xiita moderado e bom conhecedor da filosofia ocidental, chegou ao poder depois de uma vitória eleitoral arrasadora na qual recebeu quase 70%
dos votos, derrotando o candidato
do establishment conservador.
Sua promessa de introduzir uma
sociedade civil no Irã e garantir a
obediência às leis dinamizou o
eleitorado e assustou a elite religiosa, pouco acostumada a ouvir a
opinião pública.
Um diplomata ocidental diz que
"a opinião pública constitui o novo
fator surpresa no Irã. Os conservadores temem seu poder. Ninguém
sabe até que ponto ela é forte, e pode ser arriscado descobrir".
O resultado é um frágil equilíbrio
de poder no qual praticamente todas as questões nacionais, desde as
relações com os EUA até a política
econômica e social, hoje são formuladas em termos do conflito entre o poder popular e o clerical.
Em nenhum lugar isso se evidencia mais claramente do que na luta
por influência entre os tradicionalistas reunidos em torno da instituição -mas não necessariamente da pessoa- do líder supremo, o
aiatolá Ali Khamenei, e os reformistas que apoiam Khatami.
Tanto Khamenei quanto Khatami são clérigos xiitas respeitados.
Mas Khamenei foi indicado por
um agrupamento obscuro de teólogos conservadores e incumbido
de dar a palavra final nos assuntos
de Estado, enquanto Khatami foi
eleito numa onda de entusiasmo
genuinamente popular.
Tradução de
Clara Allain
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