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MASSACRE EM MADRI
Ataques contra trens matam mais de 190
ETA
Governo espanhol aponta o grupo terrorista basco como principal suspeito pelos atentados que atingiram quase simultaneamente quatro trens suburbanos durante hora do rush
AL QAEDA
Extremistas islâmicos ligados à rede responsável pelo 11 de Setembro reivindicam autoria dos ataques em carta enviada a jornal em Londres
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CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM MADRI
A Espanha viveu ontem, 11 de
março de 2004, o seu 11 de Setembro (de 2001, a data do maior ataque terrorista contra os EUA, há
exatos dois anos e meio): dez
bombas explodiram em quatro
trens, em três estações, causando
a morte de pelo menos 192 pessoas e ferindo mais de 1.400, três
dias antes da eleição geral do país.
Três outras bombas, também
em trens ou instalações ferroviárias, foram explodidas pela própria polícia. Eram as chamadas
"bombas-armadilha", que os terroristas deixam em locais atacados, exatamente para fazer mais
vítimas entre as forças policiais
que atendem eventos do gênero.
Até o fim da noite, não havia
certeza alguma sobre a autoria.
Pela manhã, o ministro do Interior, Ángel Acebes, dizia: "Não há
nenhuma dúvida de que o responsável é o ETA", referindo-se a
Euskadi Ta Askatasuna ou Pátria
Basca e Liberdade, grupo terrorista que luta pela independência do
País Basco, no norte da Espanha,
e que já fez mais de 800 mortos
(sem contar as de ontem), desde
que foi criado, em 1959.
À noite, no entanto, Acebes
anunciou que a polícia havia
apreendido um furgão roubado
em Madri em fevereiro, no qual
havia seis detonadores "e uma fita
em árabe com versículos do Alcorão", o livro sagrado do islã. Ele
foi encontrado perto de uma estação de onde partiram trens atingidos nos atentados.
Arnaldo Otegi, porta-voz de Sozialista Abertzaleak, partido tido
como ligado ao ETA, também colocado na ilegalidade pelo atual
governo espanhol, já havia, pela
manhã, inocentado o grupo terrorista basco e culpado uma não
identificada "resistência árabe".
"Otegi tenta, de maneira miserável, desviar a atenção sobre os
responsáveis", devolveu Acebes,
pela manhã. À noite, no entanto,
disse que nenhuma linha de investigação seria desprezada, embora a suspeita principal continuasse recaindo sobre o ETA.
Mas um jornal árabe com sede
em Londres, o "Al Quds Al Arabi", publicou carta em que o grupo Brigadas de Abu Hafs al Masri,
ligado à Al Qaeda, assumiu os
atentados. O grupo havia, antes,
se responsabilizado por atentados
contra duas sinagogas na Turquia, em novembro, e pelo ataque
contra a sede da ONU em Bagdá,
em agosto, no qual morreu o brasileiro Sérgio Vieira de Mello.
"Conseguimos nos infiltrar no
coração da Europa e atingir um
dos principais pilares da aliança
dos cruzados", diz a carta que
chamou os ataques de "Operação
Trens da Morte".
É uma alusão ao fato de que a
Espanha é um dos principais aliados dos EUA no que a Al Qaeda
chama de "nova cruzada" contra
os árabes. Uma rádio privada espanhola disse à noite que um terrorista suicida estaria entre os
mortos num dos trens. Horas
mais tarde, o governo espanhol
desmentiu essa informação.
O premiê José María Aznar
(centro-direita) incumbiu-se de
fazer o elo entre os dois dias 11, ao
dizer que "o 11 de março de 2004
ocupa já seu lugar na história da
infâmia". A infâmia, de fato, guarda muitas semelhanças. Os atentados de Madri, como os de Nova
York, conseguiram enorme número de vítimas (o segundo
maior na história do terror na Europa, após a derrubada de um
avião da PanAm sobre Lockerbie,
na Escócia). Deram-se também
em circunstâncias que asseguraram imensa visibilidade e forte
transtorno na vida das cidades.
Em Madri, os trens atingidos
são chamados de "cercanias", ou
seja, de subúrbios, e fazem a ligação com bairros dormitórios nos
subúrbios ao Sudeste (Santa Eugenia) e ao Sul (a estação do Pozo
del Tío Raimundo, no bairro operário de Vallecas, antigamente
chamado de "subúrbio vermelho" pela forte implantação do
Partido Comunista).
Quatro das bombas explodiram
em um trem que chegava à estação de Atocha, a principal da cidade, um de seus cartões postais,
a 1 km da Puerta del Sol, marco
zero de Madri. O horário: a partir
de 7h39 (3h39 em Brasília), o horário em que trabalhadores e estudantes tomam os trens para chegar a seus empregos ou escolas.
A única e precária pista de que a
polícia dispunha era o fato de que
duas pessoas, entre as 7h00 e as
7h10, subiram e desceram de vários trens na estação de Alcalá de
Henares (patrimônio cultural da
humanidade), nas imediações de
Madri e origem de trens que foram atingidos. O furgão com os
detonadores também foi apreendido em Alcalá de Henares.
O governo decretou três dias de
luto oficial, e todos os partidos
políticos decidiram dar por encerrada a campanha eleitoral para
a eleição geral de domingo, que só
deveria terminar hoje à noite.
O rei Juan Carlos 1º fez pronunciamento pela rádio e TV, o primeiro desde a tentativa de golpe
contra a democracia de 1981.
Condenou a "barbárie terrorista", lamentou o "cenário de pesadelo" em Madri e se disse confiante no Estado de Direito para fazer
com que os "vis assassinos" sejam
devidamente punidos.
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