São Paulo, sexta-feira, 12 de março de 2004

Próximo Texto | Índice

MASSACRE EM MADRI

Ataques contra trens matam mais de 190


ETA
Governo espanhol aponta o grupo terrorista basco como principal suspeito pelos atentados que atingiram quase simultaneamente quatro trens suburbanos durante hora do rush

AL QAEDA
Extremistas islâmicos ligados à rede responsável pelo 11 de Setembro reivindicam autoria dos ataques em carta enviada a jornal em Londres


CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM MADRI

A Espanha viveu ontem, 11 de março de 2004, o seu 11 de Setembro (de 2001, a data do maior ataque terrorista contra os EUA, há exatos dois anos e meio): dez bombas explodiram em quatro trens, em três estações, causando a morte de pelo menos 192 pessoas e ferindo mais de 1.400, três dias antes da eleição geral do país.
Três outras bombas, também em trens ou instalações ferroviárias, foram explodidas pela própria polícia. Eram as chamadas "bombas-armadilha", que os terroristas deixam em locais atacados, exatamente para fazer mais vítimas entre as forças policiais que atendem eventos do gênero.
Até o fim da noite, não havia certeza alguma sobre a autoria. Pela manhã, o ministro do Interior, Ángel Acebes, dizia: "Não há nenhuma dúvida de que o responsável é o ETA", referindo-se a Euskadi Ta Askatasuna ou Pátria Basca e Liberdade, grupo terrorista que luta pela independência do País Basco, no norte da Espanha, e que já fez mais de 800 mortos (sem contar as de ontem), desde que foi criado, em 1959.
À noite, no entanto, Acebes anunciou que a polícia havia apreendido um furgão roubado em Madri em fevereiro, no qual havia seis detonadores "e uma fita em árabe com versículos do Alcorão", o livro sagrado do islã. Ele foi encontrado perto de uma estação de onde partiram trens atingidos nos atentados.
Arnaldo Otegi, porta-voz de Sozialista Abertzaleak, partido tido como ligado ao ETA, também colocado na ilegalidade pelo atual governo espanhol, já havia, pela manhã, inocentado o grupo terrorista basco e culpado uma não identificada "resistência árabe".
"Otegi tenta, de maneira miserável, desviar a atenção sobre os responsáveis", devolveu Acebes, pela manhã. À noite, no entanto, disse que nenhuma linha de investigação seria desprezada, embora a suspeita principal continuasse recaindo sobre o ETA.
Mas um jornal árabe com sede em Londres, o "Al Quds Al Arabi", publicou carta em que o grupo Brigadas de Abu Hafs al Masri, ligado à Al Qaeda, assumiu os atentados. O grupo havia, antes, se responsabilizado por atentados contra duas sinagogas na Turquia, em novembro, e pelo ataque contra a sede da ONU em Bagdá, em agosto, no qual morreu o brasileiro Sérgio Vieira de Mello.
"Conseguimos nos infiltrar no coração da Europa e atingir um dos principais pilares da aliança dos cruzados", diz a carta que chamou os ataques de "Operação Trens da Morte".
É uma alusão ao fato de que a Espanha é um dos principais aliados dos EUA no que a Al Qaeda chama de "nova cruzada" contra os árabes. Uma rádio privada espanhola disse à noite que um terrorista suicida estaria entre os mortos num dos trens. Horas mais tarde, o governo espanhol desmentiu essa informação.
O premiê José María Aznar (centro-direita) incumbiu-se de fazer o elo entre os dois dias 11, ao dizer que "o 11 de março de 2004 ocupa já seu lugar na história da infâmia". A infâmia, de fato, guarda muitas semelhanças. Os atentados de Madri, como os de Nova York, conseguiram enorme número de vítimas (o segundo maior na história do terror na Europa, após a derrubada de um avião da PanAm sobre Lockerbie, na Escócia). Deram-se também em circunstâncias que asseguraram imensa visibilidade e forte transtorno na vida das cidades.
Em Madri, os trens atingidos são chamados de "cercanias", ou seja, de subúrbios, e fazem a ligação com bairros dormitórios nos subúrbios ao Sudeste (Santa Eugenia) e ao Sul (a estação do Pozo del Tío Raimundo, no bairro operário de Vallecas, antigamente chamado de "subúrbio vermelho" pela forte implantação do Partido Comunista).
Quatro das bombas explodiram em um trem que chegava à estação de Atocha, a principal da cidade, um de seus cartões postais, a 1 km da Puerta del Sol, marco zero de Madri. O horário: a partir de 7h39 (3h39 em Brasília), o horário em que trabalhadores e estudantes tomam os trens para chegar a seus empregos ou escolas.
A única e precária pista de que a polícia dispunha era o fato de que duas pessoas, entre as 7h00 e as 7h10, subiram e desceram de vários trens na estação de Alcalá de Henares (patrimônio cultural da humanidade), nas imediações de Madri e origem de trens que foram atingidos. O furgão com os detonadores também foi apreendido em Alcalá de Henares.
O governo decretou três dias de luto oficial, e todos os partidos políticos decidiram dar por encerrada a campanha eleitoral para a eleição geral de domingo, que só deveria terminar hoje à noite.
O rei Juan Carlos 1º fez pronunciamento pela rádio e TV, o primeiro desde a tentativa de golpe contra a democracia de 1981.
Condenou a "barbárie terrorista", lamentou o "cenário de pesadelo" em Madri e se disse confiante no Estado de Direito para fazer com que os "vis assassinos" sejam devidamente punidos.


Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.