São Paulo, domingo, 12 de outubro de 1997.



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Salário família dá lucro

GILBERTO DIMENSTEIN

Empresas americanas descobrem um jeito para fazer seus trabalhadores mais produtivos -deixá-los cuidar melhor da família.
Numa versão melhorada do salário família, empregados têm o direito de programar seu tempo, levando em conta os filhos ou, em muitos casos, pais idosos.
O retorno do benefício é imediato. Experiências em empresas espalhadas pelo país concluíram que o horário flexível favorece equilíbrio emocional dos empregados -especialmente das mulheres- tornando-os mais participativos.
Pesquisas indicam que trabalhadores beneficiados pelo programa de horário flexível oferecem, em média, o dobro de sugestões para melhorar o desempenho de sua atividade. Tradução: mais dinheiro para a empresa.
A razão é simples. Os pais se sentem culpados pelo abandono dos filhos. É um fator de angústia e distração. Ficam, portanto, agradecidos pela chance de uma vida familiar mais harmoniosa e retribuem com mais empenho.


Uma das experiências mais estudadas é de um banco chamado First Tenessi Bank.
Em 1992, a direção do banco começou a discutir alternativas para satisfazer ainda mais seus clientes e manter-se competitivo.
Ao invés de oferecer promoções, preferiu fazer os empregados mais contentes. Logo, o atendimento iria melhorar, supunham. Mas como?
Lançaram os programas de horário flexível para que os funcionários -a maioria mulheres- pudessem atender melhor suas necessidades familiares.
O banco repensou as escalas, estruturou o tempo para que pudesse oferecer o horário flexível sem comprometer suas necessidades.
Analisou os dias e até mesmo horas em que as tarefas eram mais intensas para compensar quando a demanda fosse menor.
Valeu o esforço -e valeu duplamente. Primeiro, e mais importante, os clientes indicaram através de pesquisas que estavam mais felizes com o banco. Melhorou o atendimento.
Segundo: graças à nova estrutura de tempo, detectaram desperdícios. Ao final do ano, caíram os gastos com pagamento de horas extras.


Ao implantar programa semelhante, a Xerox também viu como jogavam tempo fora.
A Fundação Ford -uma das principais fontes privadas para o patrocínio de programas sociais no mundo- queria desenvolver projetos-piloto para disseminar o horário flexível destinado a deixar pais mais tempo com os filhos.
A Xerox cede algumas de suas unidades para a realização das experiências. Foi pinçado um lugar menos provável para dar certo: um grupo de 17 engenheiros que desenvolvia uma impressora e tinha data marcada para a entrega.
Era gente que varava a madrugada, almoçava sanduíche com refrigerante, tudo movido a café.
Num esforço de engenharia de recursos humanos, os pesquisadores iam anotando como eles gastavam cada minuto.
Depois de 15 dias de observações, a planilha mostrava metade do tempo gasto com reuniões e interrupções telefônicas. Nem sempre eram reuniões vitais e as conversas telefônicas muitas delas dispensáveis.
Criaram, então, o "tempo do silêncio". Naquele momento, não eram permitidas quaisquer interrupções; não se atendiam telefones, por exemplo. Nem havia qualquer reunião.
Resultado: mais agilidade e mais tempo disponível para os engenheiros ficarem com a família ou amigos.


O horário flexível veio para ficar.
Não só porque com os novos meios de comunicação, ir ao escritório deixou de ser indispensável, mas também porque uma das tendências mais notáveis deste final de século é que lucro da empresa e satisfação do empregado andam juntos.
Empresas que têm investido no bem-estar dos funcionários, respeitando suas necessidades e anseios, colhem o retorno em seu balanço.
Basta ver os benefícios oferecidos em empresas de alta tecnologia nos EUA: canil para levar o cachorro, escolas para ter os filhos ao lado, programas para mulher com menopausa, tratamento psicológico, ano sabático.
Ao analisar uma oferta, o candidato já não olha apenas para o salário. Mas também para o que se convencionou chamar de "empregabilidade".
Quer saber até que ponto vai melhorar suas habilidades para que seja disputado no mercado de trabalho. Afinal, a rotatividade, então comum em trabalhadores menos qualificados, hoje pega a todos.


PS - Uma previsão que começa a ganhar corpo -e afeta diretamente os brasileiros. Já existe nos EUA uma carência de 200 mil pessoas para trabalhar com alta tecnologia. Tende a crescer ainda com a necessidade de reprogramar os computadores antes que enlouqueçam com o chamado "bug" do século. Eles não foram programados para a virada do milênio, os relógios internos que determinam suas operações -pagamento de aposentadorias, prestação da casa própria, por exemplo- vão ficar desajustados.
Suspeita: os americanos, com seu dinheiro, vão sair caçando gente por todos os cantos. Teríamos no Brasil uma debandada de profissionais qualificados imprescindíveis.


Gilberto Dimenstein escreve às quartas-feiras e aos domingos Fax: (001-212) 873-1045
E-mail: gdimen@aol.com



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