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São Paulo, domingo, 12 de outubro de 2003

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DINHEIRO BÁRBARO

Participação popular ativa faz do país escandinavo um dos líderes em assistência ao desenvolvimento

Noruega investe no crescimento dos outros

LUCIANA COELHO
ENVIADA ESPECIAL A ALESUND E OSLO

Em frente a uma elegante loja de roupas femininas, a estudante de comunicação Marte Vik, 24, pede donativos para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
Com a camisa vermelha do MST, ela chama a atenção dos passantes e não perde a chance de abordá-los. Detalhe: Marte é norueguesa e está em sua cidade natal -Alesund, 40 mil habitantes.
"Passei quatro meses em um assentamento do MST em Goiás", diz a estudante à reportagem da Folha num português quase sem sotaque aprendido durante a recém-encerrada temporada. "Foi um pouco difícil no começo, pela diferença de língua e de cultura. Mas depois nos aclimatamos."
Com ela, veio ao Brasil um grupo de 11 jovens entre 20 e 30 anos e dois coordenadores, patrocinado pelo Comitê de Solidariedade da Noruega, ONG que envia missões para trabalhar em atividades assistenciais na América Latina.
Questionada se está a par das críticas feitas às últimas invasões promovidas pelo MST e aos meios usados pelo grupo, ela sorri, sem graça. "Eu soube das críticas, mas só conheço um lado da questão: o que o MST diz. Não ouvi o outro lado."
O caso de Marte, que já esteve em Cuba, na Guatemala, no Peru e na Bolívia, está longe de ser exceção no país nórdico de 4,5 milhões de habitantes.
Donos de um PIB per capita de US$ 46,6 mil por ano, os noruegueses invariavelmente aparecem nas listas de maiores doadores em ajuda humanitária e assistência ao desenvolvimento.
"O país tem uma tradição em trabalho humanitário. Há muitas ONGs, e muita gente está ligada a essas ONGs", disse à Folha a rainha Sonja, que nesta semana visitou o Brasil acompanhada do marido, o rei Harald 5º, e incluiu em seu programa a visita a uma favela carioca e a projetos assistenciais.
O vice-ministro do Desenvolvimento Internacional, Olav Kjorven, atribui a "tradição" ao conceito missionário cristão e ao interesse pela solidariedade internacional dentro do movimento trabalhista norueguês -a igreja e o movimento trabalhista têm enorme papel político no país, sendo a base dos dois principais partidos.
"Foi uma decisão corajosa envolver o país com a assistência externa logo após a Segunda Guerra, quando ainda recebíamos dinheiro do Plano Marshall. Hoje, poucos países estão mais envolvidos do que a Noruega", observa.
Oslo passou a investir no desenvolvimento externo há 51 anos, quando criou o Fundo para a Índia, o primeiro de cooperação com esse objetivo. De lá para cá, foram criados a Norad (Agência Norueguesa para a Cooperação com o Desenvolvimento, em 1968), e o Ministério do Desenvolvimento Internacional (1983).
Só em 2002, saíram dos cofres do governo US$ 2,2 bilhões em assistência ao desenvolvimento e ajuda humanitária, ou 0,89% da renda bruta norueguesa.
O dinheiro, que não inclui doações de empresas, vai principalmente para projetos na África.
O continente recebeu, em 2002, US$ 800 milhões. A América Latina ficou com US$ 218 milhões, dos quais US$ 3 milhões vieram para o Brasil, principalmente para programas envolvendo crianças, populações indígenas e ambiente.
Mais da metade do dinheiro enviado ao Brasil é canalizada pelo braço norueguês da Rainforest Foundation.
Por regiões, o vice-ministro destaca como grandes destinatários o Afeganistão, os territórios palestinos, a Tanzânia, Moçambique e Uganda.
E que tipo de programas ganham a atenção de Oslo? "O maior foco está em projetos de desenvolvimento elaborados nos próprios países destinatários", diz Kjorven. "A base da cooperação norueguesa são as estratégias traçadas pelos países parceiros."
Todo o trabalho preza a redução da pobreza a partir do desenvolvimento sustentável, concentrando-se em educação, saúde, desenvolvimento do setor privado -incluída aí a agricultura- e administração financeira.
As metas -a maior parte delas estabelecidas em 1990, em acordo com a ONU- são ambiciosas: reduzir à metade o número de pessoas sob condições de pobreza extrema; suspender a disseminação do vírus da Aids e de doenças como a malária; promover a igualdade entre os sexos a partir da equiparação dos números de alunos e alunas cursando o ensino fundamental, médio e superior; reduzir em 75% a mortalidade infantil. Tudo até 2015.
Para tanto, contam com um arsenal de ONGs que, em 2002, canalizou 27% da ajuda bilateral que saiu do país.
"Todos os governos devem conhecer os recursos de que dispõem na sociedade, mas também é essencial que as ONGs coordenem seus planos com as prioridades do governo", diz Kjorven. "Uma sociedade civil ativa é essencial para manter o pluralismo e a democracia."


A jornalista Luciana Coelho viajou a convite da Chancelaria norueguesa


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