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Extrema direita é porta-voz de excluídos na Polônia
Governo é apoiado pelos descontentes do pós-comunismo, diz especialista
Economia cresce graças a apoio da UE; coligação quer volta da pena de morte, ensino religioso, proibir aborto e direitos gays
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
François Bafoil é um dos
maiores especialistas franceses
em Leste Europeu, tema de oito livros que publicou desde o
fim do comunismo. O último
deles, editado pela Presses
Sciences Po, chama-se "Europa
Central e Oriental. Globalização, Europeização e Mudanças
Sociais".
Professor e pesquisador do
Centro Nacional de Pesquisas
Científicas, ele também é especialista em Polônia, que é hoje
governada por uma coalizão
em que alguns dirigentes são
abertamente xenófobos, homófobos e anti-semitas.
A retórica por vezes alucinante do governo de Varsóvia,
diz ele à Folha, não chega a influenciar a economia, favorecida pela integração do país, em
2004, à União Européia e que
deverá em 2006 crescer 5,3%.
O presidente Lech Kaczynski
e seu irmão gêmeo Jaroslaw
Kaczynski, que vem a ser o primeiro-ministro, estimulam ou
toleram discussões bastante
bizarras para padrões locais,
como a proibição do aborto e a
reinstituição da pena de morte.
O governo, diz Bafoil, tornou-se o porta-voz dos setores
da sociedade que se sentiram
excluídos das reformas econômicas pós-comunismo.
Eis trechos de sua entrevista.
FOLHA - Como explicar que a Polônia abrigue em seu governo correntes da direita extremada?
FRANÇOIS BAFOIL - Até 2004, todos os partidos e a classe política tinham como prioridade as
reformas necessárias para a
adesão polonesa à União Européia. Os ex-comunistas e atuais
social democratas foram majoritários na última legislatura,
em meio a acusações de corrupção. Isso provocou a derrota
deles em outubro do ano passado. A atual maioria parlamentar, sem colocar em xeque a
adesão à UE, tornou-se porta-voz de todos os setores da sociedade que se sentiram excluídos das reformas econômicas
pós-comunismo.
FOLHA - Como o sr. qualifica os integrantes da atual coalizão?
BAFOIL - Há o Direito e Justiça,
majoritário, do primeiro-ministro Jaroslaw Kaczynski. É
um partido que se diz liberal e
nacionalista, com suas bases
bastante urbanizadas, pró-Europa e forte a oeste do país
-mais industrializado, com
mais investimentos estrangeiros. Há ainda o Partido da Autodefesa, católico e muito nacionalista, que tomou as dores
da população rural, da mão-de-obra urbana menos qualificada.
Em verdade, esse partido representa aquilo que o sindicato
Solidariedade, que virou partido político com a redemocratização, não teve a competência
de realizar. Seus dirigentes não
contestam a adesão da Polônia
à UE. Mas condenam as irregularidades promovidas durante
o processo de integração.
FOLHA - Como explicar que o Lei e
Justiça tenha também se aliado à direita anti-semita?
BAFOIL - É o terceiro partido da
coalizão, a Liga das Famílias
Polonesas, que corresponde a
7,5% do eleitorado e que representa a direita extremada, e que
denuncia um suposto complô
de "estrangeiros" contra a Polônia. Por mais que se dissocie
da União Européia, não chega a
tomar iniciativas para retirar o
país do bloco. Suas bases são
rurais, e seu líder é Andrzej
Lepper. Ele quer a melhora na
distribuição de renda e a manutenção das antigas ligações com
os mercados do Leste Europeu.
FOLHA - De onde surgiu a idéia,
dentro do governo, de colocar o
aborto na ilegalidade?
BAFOIL - O Lei e Justiça, do premiê e do presidente, ameaça
suprimir a lei que legalizou o
aborto. Da mesma forma com
que se opõe à supressão do ensino religioso nas escolas e aos
direitos dos homossexuais.
FOLHA - Como explicar que a economia esteja tão bem?
BAFOIL - O governo tem posições oscilantes. Isso o leva a ter
relações precárias com a Alemanha e com a Rússia. O que se
indaga agora é até que ponto a
economia permanecerá impermeável a essa teatralização de
posições conservadoras.
FOLHA - A Polônia teria chegado a
essa etapa bizarra se a Igreja Católica não fosse tão preponderante?
BAFOIL - A igreja não é tão forte
assim, como instituição. Forte
é a religiosidade do povo. Tenho dúvidas sobre o impacto da
igreja no comportamento da
população. Quanto às recomendações morais, a igreja defende agressivamente um comportamento sexual comedido,
o que a juventude ignora sem
cerimônias. Pesquisas demonstram que os jovens não
têm compromisso com as recomendações da hierarquia católica. Claro que existiu o fator
João Paulo 2º, o papa polonês,
mas não há um modo de vida
predominantemente católico.
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