São Paulo, sábado, 13 de janeiro de 2001

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POLÊMICA

Decisão da Corte Suprema de permitir antecipação de parto de bebê sem cérebro acende o debate no país católico

Julgamento faz Argentina discutir aborto

JOSÉ ALAN DIAS
DE BUENOS AIRES

Em uma decisão sem precedentes, a Corte Suprema da Argentina autorizou a indução do parto em uma grávida de sete meses cujo feto não tem cérebro.
Ao anunciarem o resultado da votação, dividida, os oito juízes se empenharam em demonstrar que não estavam dando uma permissão para o aborto.
Procuraram se preservar de eventuais acusações de fomentar o debate do polêmico tema em um país de população extremamente católica e conservadora, mas onde, de acordo com estatísticas do Conselho Nacional da Mulher, ocorrem por ano, de forma ilegal, 500 mil abortos.
Pelas leis argentinas, como no Brasil, o aborto é proibido. Segundo a deputada Graciela Giannetasio, do Partido Justicialista (oposição), presidente da Comissão de Minorias, Mulher e Família, não há projetos em análise sobre uma eventual legalização.
O crime do aborto é previsto no Código Penal, de 1912, mas quase não se registram condenações. O último projeto sobre o tema foi encaminhado em 1989, pela então deputada Maria Florentina Gomez Miranda. Jamais chegou a ser votado em plenário.
""Não se trata de um caso de aborto. Não será interrompida a gravidez, mas induzido o parto para que o bebê nasça vivo. Tomamos a decisão para preservar a integridade psíquica da mãe", disse o juiz Eduardo O'Connor. ""A morte será consequência da gravíssima patologia que o afeta, não da operação", sustentou o juiz após assinada a sentença que autoriza médicos da Maternidade Sardá a realizar uma cesariana.
A mãe, Silvia Tanus, 35, vive com o marido e uma filha de 12 anos em um bairro pobre de Buenos Aires. No quinto mês de gravidez, um exame constatou que o feto sofre de anencefalia, uma doença congênita que impede a formação do sistema nervoso, resultando na ausência de massa encefálica e calota craniana. A morte do bebê, segundo médicos, ocorre de forma imediata logo após o nascimento ou no máximo até 12 horas depois.
Dois tribunais argentinos, de primeira e segunda instâncias, haviam rechaçado os pedidos da advogada da mãe para que se permitisse a indução do parto, ao ser constatada a doença. No último dia 27, o Tribunal Superior de Buenos Aires acatou o pedido, mas, por conta do recurso de um promotor, o caso acabou sendo levado à Corte Suprema.
A pedido da advogada da mãe, a corte interrompeu as férias de verão dos juizes especialmente para tratar do assunto, algo inédito em 14 anos.
A Igreja Católica argentina divulgou comunicado ontem concordando com a decisão dos juízes, mas ressaltou que o fato não deve ser interpretado como "uma abertura jurídica ao aborto".
""Já escutei algumas vozes afirmando que a decisão abre precedentes para uma discussão futura da descriminação do aborto. Isso me preocupa. A indução do parto é aceita pela moral cristã, com o objetivo de evitar graves danos à mãe ou ao filho", disse o padre Claudio Sanahuja, especialista em bioética da Cúria de Buenos Aires.
De acordo com a advogada de Tanus, a cesariana deverá ocorrer provavelmente na semana que vem. Os pais da criança levantaram junto aos médicos a possibilidade de fazer a doação dos órgãos. Mas, segundo eles, é possível que sejam usadas somente as válvulas cardíacas.

Partidarismo
Reflexo do grau de conservadorismo local, os jornais apresentaram com grande destaque a postura adotada por um outro casal, cujo feto também sofre de anencefalia, mas que optou por manter a gestação até o final.
Ao ser procurado, o pai disse que a ""lei deveria alcançar casos especiais, e que depois cada um decida de acordo com a sua consciência".


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