São Paulo, segunda-feira, 13 de janeiro de 2003

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ANÁLISE

China busca discrição na crise norte-coreana

JAIME SPITZCOVSKY
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Uma crise maquinada pela Coréia do Norte traria como consequência lógica o envolvimento profundo de seu principal aliado político e econômico, a China. Pequim, no entanto, busca manter um papel de coadjuvante no imbróglio atual, priorizando seus problemas internos, ainda que assustada com a possibilidade de um cenário atômico na vizinha península coreana.
E é exatamente o fantasma de uma Coréia do Norte com arsenal nuclear que leva a China a optar por uma atuação tênue na crise atual. O governo chinês calcula que, caso se junte ao coro de países que pressionam pelo fim das ambições atômicas norte-coreanas, poderá levar Pyongyang a uma sensação de isolamento e de desespero que resultaria num acirramento do impasse.
Explica o analista chinês Qi Baoliang, em entrevista ao diário "The Washington Post": "O papel da China é assegurar que a Coréia do Norte não perca as esperanças, não é ameaçá-la ou pressioná-la". O raciocínio segue: "Se todos colocarem pressão sobre a Coréia do Norte, ela vai entrar em desespero. E se ela não enxergar uma saída, seguirá em frente e desenvolverá armas nucleares".
A Coréia do Norte anunciou sua retirada do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP) e declarou que sanções econômicas impostas pela comunidade internacional seriam interpretadas como "declaração de guerra". Com essa ofensiva, o regime comunista norte-coreano fez a crise atingir uma de suas temperaturas mais altas desde outubro passado, quando começou a novela.
Naquela oportunidade, Washington afirmou que a Coréia do Norte havia admitido manter um programa secreto de armas nucleares, o que era proibido por um tratado firmado entre os dois países em 1994. Ao renunciar a suas ambições atômicas, o regime norte-coreano receberia em troca ajuda norte-americana para a produção de energia elétrica e carregamentos de combustível.
A escalada das tensões prosseguiu quando os EUA anunciaram, em retaliação ao programa nuclear secreto, a suspensão do envio de combustível à Coréia do Norte. Pyongyang contra-atacou. Reativou um reator nuclear, argumentando precisar de energia elétrica, e expulsou inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica.
A queda-de-braço começou a partir da intenção norte-coreana de arrancar um acordo com os Estados Unidos. O ditador Kim Jong-il quer um pacto de não-agressão com a Casa Branca, pois teme se transformar no próximo alvo da chamada guerra antiterror, depois de uma eventual ofensiva contra o Iraque. Kim planeja ainda arrancar ajuda financeira de Washington.
Ao ensaiar uma retomada de negociações com os EUA no ano passado, a Coréia do Norte repetiu uma coreografia clássica de sua diplomacia: agitar o fantasma de seu poderio militar, na tentativa de aumentar o poder de barganha nas negociações. Washington, no entanto, deseja um diálogo oficial apenas depois do congelamento do programa nuclear norte-coreano.
A China assiste à crise com apreensão, mas avalia ser mais prudente manter um papel discreto. Em 1994, o presidente chinês, Jiang Zemin, destacou-se como um dos principais articuladores do acordo assinado entre os EUA e a Coréia do Norte.
A crise atual coincide com a transição de poder na China, quando Jiang Zemin transfere, gradativamente, funções a Hu Jintao, que assumiu o comando do PC chinês no ano passado e que ficará com a Presidência do país em março. A liderança em Pequim avalia ser prioritário dedicar-se à agenda política interna e a seus esforços para cultivar o crescimento acelerado da economia chinesa.
A China sabe que, embora seja o principal aliado de Pyongyang, é limitada sua capacidade de influenciar o ditador Kim Jong-il. Nos últimos anos, a Coréia do Norte, apegada à ortodoxia ideológica, resiste bravamente às pressões de Pequim para copiar o modelo chinês, alicerçado na introdução de reformas capitalistas na economia, enquanto o Partido Comunista se mantém no poder.


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