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ANÁLISE
China busca discrição na crise norte-coreana
JAIME SPITZCOVSKY
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Uma crise maquinada pela
Coréia do Norte traria como
consequência lógica o envolvimento profundo de seu principal
aliado político e econômico, a
China. Pequim, no entanto, busca
manter um papel de coadjuvante
no imbróglio atual, priorizando
seus problemas internos, ainda
que assustada com a possibilidade de um cenário atômico na vizinha península coreana.
E é exatamente o fantasma de
uma Coréia do Norte com arsenal
nuclear que leva a China a optar
por uma atuação tênue na crise
atual. O governo chinês calcula
que, caso se junte ao coro de países que pressionam pelo fim das
ambições atômicas norte-coreanas, poderá levar Pyongyang a
uma sensação de isolamento e de
desespero que resultaria num
acirramento do impasse.
Explica o analista chinês Qi
Baoliang, em entrevista ao diário
"The Washington Post": "O papel
da China é assegurar que a Coréia
do Norte não perca as esperanças,
não é ameaçá-la ou pressioná-la".
O raciocínio segue: "Se todos colocarem pressão sobre a Coréia
do Norte, ela vai entrar em desespero. E se ela não enxergar uma
saída, seguirá em frente e desenvolverá armas nucleares".
A Coréia do Norte anunciou sua
retirada do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares
(TNP) e declarou que sanções
econômicas impostas pela comunidade internacional seriam interpretadas como "declaração de
guerra". Com essa ofensiva, o regime comunista norte-coreano
fez a crise atingir uma de suas
temperaturas mais altas desde outubro passado, quando começou
a novela.
Naquela oportunidade, Washington afirmou que a Coréia do
Norte havia admitido manter um
programa secreto de armas nucleares, o que era proibido por um
tratado firmado entre os dois países em 1994. Ao renunciar a suas
ambições atômicas, o regime norte-coreano receberia em troca
ajuda norte-americana para a
produção de energia elétrica e
carregamentos de combustível.
A escalada das tensões prosseguiu quando os EUA anunciaram, em retaliação ao programa
nuclear secreto, a suspensão do
envio de combustível à Coréia do
Norte. Pyongyang contra-atacou.
Reativou um reator nuclear, argumentando precisar de energia elétrica, e expulsou inspetores da
Agência Internacional de Energia
Atômica.
A queda-de-braço começou a
partir da intenção norte-coreana
de arrancar um acordo com os
Estados Unidos. O ditador Kim
Jong-il quer um pacto de não-agressão com a Casa Branca, pois
teme se transformar no próximo
alvo da chamada guerra antiterror, depois de uma eventual ofensiva contra o Iraque. Kim planeja
ainda arrancar ajuda financeira
de Washington.
Ao ensaiar uma retomada de
negociações com os EUA no ano
passado, a Coréia do Norte repetiu uma coreografia clássica de
sua diplomacia: agitar o fantasma
de seu poderio militar, na tentativa de aumentar o poder de barganha nas negociações. Washington, no entanto, deseja um diálogo oficial apenas depois do congelamento do programa nuclear
norte-coreano.
A China assiste à crise com
apreensão, mas avalia ser mais
prudente manter um papel discreto. Em 1994, o presidente chinês, Jiang Zemin, destacou-se como um dos principais articuladores do acordo assinado entre os
EUA e a Coréia do Norte.
A crise atual coincide com a
transição de poder na China,
quando Jiang Zemin transfere,
gradativamente, funções a Hu
Jintao, que assumiu o comando
do PC chinês no ano passado e
que ficará com a Presidência do
país em março. A liderança em
Pequim avalia ser prioritário dedicar-se à agenda política interna
e a seus esforços para cultivar o
crescimento acelerado da economia chinesa.
A China sabe que, embora seja o
principal aliado de Pyongyang, é
limitada sua capacidade de influenciar o ditador Kim Jong-il.
Nos últimos anos, a Coréia do
Norte, apegada à ortodoxia ideológica, resiste bravamente às pressões de Pequim para copiar o modelo chinês, alicerçado na introdução de reformas capitalistas na
economia, enquanto o Partido
Comunista se mantém no poder.
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