São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 2000


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XENOFOBIA
É o que diz professor sobre conflito em El Ejido
"Racismo está em toda a Espanha"


PHILIPPE LANÇON
do "Libération"

Enrique Gil-Calvo, professor de sociologia na Universidade Complutense, em Madri, atribui a violência ocorrida em El Ejido ao ambiente de "corrida ao ouro" criado nessa região do sul da Espanha e à história de conflitos entre os andaluzes espanhóis e os "mouros".
A região é palco de conflitos, desencadeados pelo assassinato de uma espanhola de 26 anos, atribuído a um desequilibrado mental marroquino. Como reação, grupos de espanhóis depredaram lojas e casas de imigrantes.

Pergunta - Como explicar uma manifestação de xenofobia tão violenta?
Enrique Gil-Calvo -
Em primeiro lugar, El Ejido, onde se pratica uma agricultura intensiva, é o lugar da Espanha que tem de longe a maior proporção de imigrantes: cerca de 25% de sua população. Os imigrantes são, na maioria, magrebinos (do norte da África - Mauritânia, Marrocos, Tunísia, Líbia ou Argélia). Esse racismo está presente por toda a Espanha, mas raramente se traduz em atos físicos, porque a presença imigrante, no resto do país, é pequena.

Pergunta - O racismo está presente há muito em El Ejido?
Gil-Calvo -
Sim, mas a mesma coisa pode ser dita da violência de modo geral. El Ejido lembra uma cidadezinha americana na época da corrida ao ouro. Há 15 anos, era um município muito pobre, mas viveu uma explosão econômica e, desde então, está acometida de uma febre. A agricultura é competitiva e é feita para exportação. Um grande número de pequenos proprietários explora uma mão-de-obra imigrante barata. Há desemprego na Andaluzia, mas em El Ejido, não. A rua principal da cidade tem a maior concentração de bancos por metro quadrado de toda a Espanha. Mas também é um lugar onde há muitos homicídios e suicídios.

Pergunta - Como explicar essa explosão se há tão poucos desempregados?
Gil-Calvo -
Não sei quem são os autores dessas brutalidades contra norte-africanos. Mas imagino que possam ser os filhos dos comerciantes. As pessoas em El Ejido votam no Partido Popular, de direita, o representante tradicional dos pequenos comerciantes e proprietários. Mas os jovens da classe média baixa frequentemente têm afinidade com a ideologia neonazista. E a Andaluzia é um lugar muito machista, onde o culto à violência juvenil e masculina é muito forte. Atacar imigrantes é bem visto.
A região foi o último reduto dos "mouros", que ocuparam essa área por mais de cinco séculos.
El Ejido faz parte de uma região que ainda tinha muçulmanos até o século 15. A sangrenta guerra travada contra os mouros por Felipe 2º teve lugar aqui mesmo, nos montes Aljuparras, onde se refugiaram os muçulmanos que se recusaram a ser cristianizados.
E alguns povoados muçulmanos subsistiram nos cantos mais escondidos desse maciço até o século 17. Desde então a região conservou a memória da revolta e de vez em quando um racismo latente volta à tona.


Tradução de Clara Allain


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