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São Paulo, quinta-feira, 13 de fevereiro de 2003

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BOLÍVIA

Policiais se revoltam e entram em choque com militares diante do palácio presidencial; governo revoga medidas impopulares

Conflitos em La Paz matam ao menos dez

Aizar Raldez/France Presse
Soldados bolivianos tomam posição perto da praça de Armas, a mais importante de La Paz, durante um dos conflitos de ontem


DA REDAÇÃO

A Bolívia viveu ontem um clima de convulsão social, em meio a conflitos entre Exército e polícia em frente ao palácio do Governo, em La Paz, assim como protestos violentos no centro e em outras áreas da capital, terem cauasado a morte de pelo menos dez pessoas e deixarem mais de 50 feridos.
O número de mortos e feridos ainda podia subir (a agência France Presse falava em 14), e não se sabia ao certo quantos dos mortos eram civis, policiais e militares.
"Trabalho como médico aqui há 30 anos e nunca vi um dia tão sangrento", afirmou Eduardo Chavez, diretor do principal hospital público de La Paz.
No final da tarde, o presidente do país, Gonzalo Sánchez de Lozada, fez um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV no qual anunciou a revogação de uma série de medidas econômicas impopulares, que havia deflagrado a revolta dos policiais e da população.
"Eu as retiro para que possamos começar um novo diálogo, sincero e fraterno, entre todos os bolivianos", disse o presidente, em cadeia nacional de rádio e TV.
As manifestações devem continuar hoje, com ameaças de bloqueios de estradas ao redor do país e de greve geral.
Apesar do recuo do presidente, a situação na capital permanecia instável até o início da noite, com relatos de que as sedes da Vice-Presidência da República, do Ministério do Trabalho e de partidos governistas teriam sido incendiadas por manifestantes.
"O presidente da República determinou que as Forças Armadas patrulhem as ruas de La Paz para evitar mais atos de vandalismo e para garantir a segurança dos bens privados e públicos", divulgou a agência de notícias estatal.
Grupos de manifestantes provocavam distúrbios e tentavam levantar barricadas em vários pontos da cidade.
Durante o dia, as lojas ficaram fechadas numa área de aproximadamente 12 quarteirões no centro histórico da capital. O ar ficou impregnado de fumaça das bombas de gás lacrimogêneo, pneus e prédios queimando.
Para evitar o alastramento da violência para outras regiões, o governo decretou estado de alerta em unidades policiais de várias cidades do país e mobilizou os militares.
A violência explodiu após o governo baixar um pacote econômico que, entre outras medidas, aumentou de 7% para 13% o percentual de impostos pagos por trabalhadores com faixa salarial superior a pouco mais de US$ 100,00 por mês.
O objetivo era reduzir o déficit fiscal de 8,5% para 5% do PIB (Produto Interno Bruto). Também estava previsto o fim de linhas de crédito para o consumo e de isenções fiscais.
As medidas provocaram forte reação em diversos setores da sociedade. Cerca de dez mil policiais da capital -que reivindicavam aumento salarial, não estavam sendo atendidos pelo governo e se sentiram ainda mais prejudicados pelas novas medidas- decidiram cruzar os braços.
Estudantes se aproveitaram da falta de policiamento para se reunir na Praça de Armas, a mais importante de La Paz, e jogar pedras contra o palácio presidencial. "Continuarei a lutar até que o governo seja deposto", disse o estudante Juan de Dios, 17.
Os militares foram chamados a intervir e, pouco depois, a TV começou a mostrar soldados atirando contra o QG da polícia.
No conflito que se seguiu, tanto soldados quanto policiais usaram armamento pesado, com balas de borracha e munição real, e bombas de efeito moral.
De noite, os comandos do Exército e da polícia divulgaram notas pedindo que seus integrantes colocassem fim aos enfrentamentos mútuos e agissem para garantir a segurança.
As medidas do governo, que negocia um novo acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional) e precisa cortar gastos, foram criticadas tanto pela Central Operária Boliviana (COB), que convocou uma greve geral para hoje, quanto pela Confederação de Empresários Privados da Bolívia (CEPB).
Segundo o vice-presidente da CEPB, Roberto Mustafá, elas representavam "uma redução tácita dos salários e desencadearão um ciclo recessivo".
Já o líder da COB, Saturnino Mallcu, pediu a renúncia do presidente. "Por sua incapacidade e soberba, tanta gente morreu", disse.

Com agências internacionais


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