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COMENTÁRIO
Presidente tenta associar seu nome a feito que possa deixar em segundo plano o processo de impeachment
Clinton luta agora por absolvição da história
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília
Como no samba do zoólogo Paulo Vanzolini, Bill Clinton, mais
uma vez, levantou, sacudiu a poeira e deu a volta por cima.
"The Come-Back Kid" (o garoto
da volta por cima), um de seus apelidos, se safou, melhor do que se
previa, da maior ameaça que sua
carreira política enfrentou.
Mas sua última batalha, pelo reconhecimento histórico, ainda não
acabou. Embora a absolvição de
ontem o tenha fortalecido para ela,
as chances de vitória continuam
exíguas para Clinton.
Deixar para o futuro a marca de
seu nome associado a uma grande
realização é o sonho de qualquer
governante. Lincoln e a abolição
da escravatura; Roosevelt e o "New
Deal"; Kennedy e a chegada do homem à Lua. Clinton e o quê?
A prosperidade econômica é a
grande "realização" de seu governo até agora. Mas o progresso sustentado destes seis anos podem ser
enganosos, além de pouco se deverem à ação do presidente.
A renda familiar média nos EUA
é maior agora do que há 25 anos.
Mas as mulheres trabalham mais
15 semanas por ano do que então.
A concentração de renda no país
nunca foi tão alta. Cerca de 90%
dos ganhos no mercado acionário
norte-americano desde 1993 beneficiaram 10% da população.
Em 1997 e 1998, a taxa de poupança pessoal decresceu, o que não
havia ocorrido desde 1933.
O déficit da balança comercial e a
dívida pública do país não pararam de crescer durante estes anos
aparentemente dourados.
Se tais bombas de efeito retardado estourarem antes do fim do
mandato de Clinton (janeiro de
2001), o que restará de sua administração para os livros de história?
Clinton não reformou o sistema
de saúde nem a Previdência Social,
como prometera na campanha.
Ao contrário, ele desmontou boa
parte da rede de segurança para os
pobres que Roosevelt havia armado como função de Estado.
Em política externa, foi mais o
beneficiário de ações alheias (como o esforço pelo acordo de paz
entre Israel e palestinos, costurado
durante anos por Thorval Stontelberg, ministro norueguês das Relações Exteriores) do que o agente de
algum feito notável.
A reconquista do equilíbrio orçamentário foi obra de Clinton e do
Congresso dominado pela oposição. Dificilmente teria ocorrido se
a pressão do Legislativo não tivesse sido tão poderosa.
No terreno dos símbolos, o presidente se sai melhor. Ao nomear as
primeiras mulheres para os Departamentos de Justiça e Estado, ele
reforçou sua imagem de defensor
da igualdade de direitos entre os
gêneros, como, ao receber uma famosa atriz notoriamente lésbica,
deu impulso ao fim da discriminação contra homossexuais.
Mas, exceto no campo do direito
ao aborto, em que, com seu poder
de veto, Clinton manteve o que outros já haviam garantido, pouco foi
feito de prático neste governo para
mudar a realidade, mesmo nessas
áreas em que ele se mostra legitimamente comprometido.
Clinton deu a volta por cima do
impeachment. Graças à economia,
à lealdade com ele de mulheres e
negros e à sua extraordinária capacidade de focalizar o que é mais
importante na hora certa.
Mas o Congresso continuará sob
o controle da oposição até o fim de
seu governo.
Uma oposição humilhada e ressentida. As iniciativas da Presidência terão mais problemas do que
nunca no Legislativo.
Clinton, o mago da sobrevivência, operou mais um de seus truques. Como tantas vezes antes.
No entanto, é muito provável
que, apesar da vitória, daqui a 30
anos, quando o nome Bill Clinton
for mencionado, a livre associação
imediata será "impeachment".
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