São Paulo, Sábado, 13 de Fevereiro de 1999
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COMENTÁRIO
Presidente tenta associar seu nome a feito que possa deixar em segundo plano o processo de impeachment
Clinton luta agora por absolvição da história

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília

Como no samba do zoólogo Paulo Vanzolini, Bill Clinton, mais uma vez, levantou, sacudiu a poeira e deu a volta por cima.
"The Come-Back Kid" (o garoto da volta por cima), um de seus apelidos, se safou, melhor do que se previa, da maior ameaça que sua carreira política enfrentou.
Mas sua última batalha, pelo reconhecimento histórico, ainda não acabou. Embora a absolvição de ontem o tenha fortalecido para ela, as chances de vitória continuam exíguas para Clinton.
Deixar para o futuro a marca de seu nome associado a uma grande realização é o sonho de qualquer governante. Lincoln e a abolição da escravatura; Roosevelt e o "New Deal"; Kennedy e a chegada do homem à Lua. Clinton e o quê?
A prosperidade econômica é a grande "realização" de seu governo até agora. Mas o progresso sustentado destes seis anos podem ser enganosos, além de pouco se deverem à ação do presidente.
A renda familiar média nos EUA é maior agora do que há 25 anos. Mas as mulheres trabalham mais 15 semanas por ano do que então.
A concentração de renda no país nunca foi tão alta. Cerca de 90% dos ganhos no mercado acionário norte-americano desde 1993 beneficiaram 10% da população.
Em 1997 e 1998, a taxa de poupança pessoal decresceu, o que não havia ocorrido desde 1933.
O déficit da balança comercial e a dívida pública do país não pararam de crescer durante estes anos aparentemente dourados.
Se tais bombas de efeito retardado estourarem antes do fim do mandato de Clinton (janeiro de 2001), o que restará de sua administração para os livros de história?
Clinton não reformou o sistema de saúde nem a Previdência Social, como prometera na campanha.
Ao contrário, ele desmontou boa parte da rede de segurança para os pobres que Roosevelt havia armado como função de Estado.
Em política externa, foi mais o beneficiário de ações alheias (como o esforço pelo acordo de paz entre Israel e palestinos, costurado durante anos por Thorval Stontelberg, ministro norueguês das Relações Exteriores) do que o agente de algum feito notável.
A reconquista do equilíbrio orçamentário foi obra de Clinton e do Congresso dominado pela oposição. Dificilmente teria ocorrido se a pressão do Legislativo não tivesse sido tão poderosa.
No terreno dos símbolos, o presidente se sai melhor. Ao nomear as primeiras mulheres para os Departamentos de Justiça e Estado, ele reforçou sua imagem de defensor da igualdade de direitos entre os gêneros, como, ao receber uma famosa atriz notoriamente lésbica, deu impulso ao fim da discriminação contra homossexuais.
Mas, exceto no campo do direito ao aborto, em que, com seu poder de veto, Clinton manteve o que outros já haviam garantido, pouco foi feito de prático neste governo para mudar a realidade, mesmo nessas áreas em que ele se mostra legitimamente comprometido.
Clinton deu a volta por cima do impeachment. Graças à economia, à lealdade com ele de mulheres e negros e à sua extraordinária capacidade de focalizar o que é mais importante na hora certa.
Mas o Congresso continuará sob o controle da oposição até o fim de seu governo.
Uma oposição humilhada e ressentida. As iniciativas da Presidência terão mais problemas do que nunca no Legislativo.
Clinton, o mago da sobrevivência, operou mais um de seus truques. Como tantas vezes antes.
No entanto, é muito provável que, apesar da vitória, daqui a 30 anos, quando o nome Bill Clinton for mencionado, a livre associação imediata será "impeachment".


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