São Paulo, Sábado, 13 de Fevereiro de 1999
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OS PERDEDORES
do "Le Monde"

Saiba quem sai derrotado com a vitória de Bill Clinton no processo de impeachment.

BILL CLINTON
O apelido "Come-Back Kid" (garoto da volta por cima) passa a ser inseparável de seu nome, mas, apesar disso, o presidente americano não saiu ganhando sob todos os aspectos. Perdeu, antes de mais nada, no que diz respeito à história, algo que lhe é muito caro, já que o episódio Lewinsky o deixará marcado para sempre como o segundo presidente dos EUA a ser submetido a um julgamento de impeachment pelo Congresso.
Isso sem falar no ridículo a que o expõem as circunstâncias que provocaram esse julgamento.
Profundamente endividado, a partir do fim de seu mandato será obrigado a vender-se a quem pagar melhor, no círculo dos editores e organizadores de conferências, para conseguir pagar os US$ 4 milhões que deve a seus advogados.
O número de amigos que se consideram traídos por sua atitude é incontável, e não está excluída a possibilidade de que ainda venha a ser processado por falso testemunho e obstrução da Justiça numa jurisdição de direito comum, depois de concluído seu mandato.

KENNETH STARR
Repudiado pela opinião pública, que o relegou constantemente ao último lugar na escala das pesquisas de opinião, não chegou sequer a sentir o gosto de uma vitória jurídica. Sua obstinação e a agressividade das táticas empregadas por sua equipe contra as testemunhas não apenas provocaram a repulsa do eleitorado em relação à instituição da promotoria independente, herdada de Watergate, como também lançaram dúvidas sobre os métodos utilizados pela promotoria pública no sistema judiciário norte-americano.
Apesar de todos os epítetos que lhe foram atribuídos, que vão desde "Torquemada" até "inspetor Javert", seu lugar na história é incerto: como explica o historiador Alan Brinkley, o "starrismo" não tem a menor condição de rivalizar com o macartismo.

A DIREITA REPUBLICANA
Quando chegar a hora de o Partido Republicano juntar seus pedaços, sua ala direita será colocada no banco dos réus.
Foi ela que, cegada pelo ódio que nutre pelo presidente Bill Clinton e seus valores, encorajou o promotor independente Kenneth Starr em sua investida.
Foi ela que acabou por reduzir o programa eleitoral e legislativo do Partido Republicano a uma única palavra -impeachment-, provocando, por reação, a queda de Newt Gingrich (presidente da Câmara dos Representantes) e de Bob Livingston (candidato a presidente da Câmara dos Representantes) no Congresso.
O sentimento de revolta é forte entre os moderados do partido e especialmente entre os governadores estaduais republicanos, que não escondem o desprezo que sentem pela maneira como a direção do partido conduziu o caso no Congresso. Com a aproximação das primárias presidenciais do ano 2000, a batalha interna promete ser sangrenta.

MONICA LEWINSKY
Sem conhecê-la, o mundo político e a imprensa a viam como tão tola que se espantaram ao vê-la expressar-se com segurança no primeiro dos 23 interrogatórios nos quais ela pôde ser vista em vídeo.
Aos 25 anos, Monica Lewinsky quer "recuperar sua vida", mas o caminho será longo.
Ela não trabalha há um ano, deve quantias astronômicas a seus advogados e continua sendo obrigada por Starr a se manter em silêncio, fato que adia suas chances de ganhar dinheiro: US$ 600 mil previstos pelos direitos de retransmissão no exterior de uma entrevista concedida a Barbara Walters na televisão e a mesma soma por um livro escrito pelo biógrafo da princesa Diana.

MATT DRUDGE
À força de aclamá-lo herói da liberdade da imprensa na Web, esqueceu-se rápido demais que ele não fez mais do que divulgar em seu web site uma informação de segunda mão que a revista "Newsweek" procurava verificar antes de publicar: a existência de Monica Lewinsky e sua convocação para depor no processo Paula Jones.
Matt Drudge ganhou fama graças a esse furo que não foi seu, mas não foi capaz de repetir a façanha: seu "furo" mais recente, tirado do tablóide "Star", sobre um suposto filho ilegítimo de Bill Clinton, foi desmentido.

WASHINGTON
Num artigo publicado no "The Washington Post", um dos mais prestigiados jornais dos Estados Unidos, no auge do escândalo, Sally Quinn, que, ao lado de seu marido, Ben Bradlee, herói do caso Watergate, reina nas noites culturais da alta sociedade de Washington, criticou Bill Clinton amargamente por haver achincalhado as regras do establishment da capital.
Traumatizadas pelo caso Lewinsky, Quinn e as elites de Washington esqueceram que, fora da capital, de Wall Street ao vale do Silício, passando pelo Texas (Estado do sul do país), vive um país que não se pauta por essas regras. Quando, finalmente, o compreenderam, a mídia batizou o fenômeno de "The Big Disconnect" (O Grande Desligamento).


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