São Paulo, domingo, 13 de março de 2005

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ÁSIA

Desde 1965 não nascem homens na família imperial; população apóia idéia

Japão repensa tradição e pode vir a ter imperatriz

CONSTANÇA TATSCH
DA REDAÇÃO

Um dos mais importantes símbolos do Japão, a família imperial, pode romper uma tradição de dois séculos. Um painel de especialistas foi escolhido recentemente para debater a possibilidade de a linhagem de sucessão do imperador aceitar mulheres.
O atual imperador, Akihito, 71, já indicou seu sucessor: o filho mais velho, príncipe Naruhito, 45. Eventualmente, ele poderia ser sucedido por outros homens. Mas, depois deles, só existem sucessoras. Desde 1965, não nasce nenhum homem na família, e as mulheres já não podem ter filhos.
O alvo da discussão é a pequena princesa Aiko, de apenas 3 anos, filha de Naruhito. A Lei da Casa Imperial dita que "o trono imperial deve ser herdado por um homem na linha masculina da descendência imperial". Caso essa lei seja alterada, o país pode ter sua primeira imperatriz em 200 anos.
Ao longo de 2.600 anos, oito mulheres se sentaram no trono de Crisântemo, mas nenhuma fez seu sucessor. A existência de concubinas garantia a possibilidade de um filho homem até a Segunda Guerra, quando o costume foi abolido e o número de integrantes da família imperial foi restrito.

Mudanças
O governo ressalta que o trabalho dos especialistas "está apenas começando", mas analistas dizem que a pequena Aiko deve, sim, se tornar imperatriz no futuro. Segundo pesquisas, mais de 80% da população apóia a mudança.
"Acho que a população de japoneses hoje não vê nenhum impedimento em que haja uma mulher imperando, até porque o imperador não faz muita coisa, em termos de condução do país", disse Eduardo Nakashima, secretário do Bunkyo, Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa.
Críticos dizem que essa é a oportunidade para marcar o fim do império japonês. Mas, para Keith Brown, antropólogo e professor no Programa de Estudos Asiáticos da Universidade de Pittsburgh (EUA), a família está profundamente enraizada na cultura japonesa e conta com amplo apoio. "A família imperial simboliza a história e a tradição do Japão. É a ancestralidade de cada japonês", afirma ele, que ganhou do governo japonês a Ordem do Sagrado Tesouro por trabalhos de intercâmbio entre Japão e EUA
"Entrevistei uma avó maravilhosa. Perguntei a ela se a família imperial representava os descendentes de coreanos que se mudaram para o Japão há várias gerações. Ela me disse "não". Fiquei intrigado e perguntei se, por outro lado, o império valia para descendentes de japoneses que vivem no Brasil, por exemplo. Ela me disse: "Está em seus corações'".
Como em outras monarquias, a família imperial foi obrigada a se aproximar dos súditos para garantir sua existência. Aos poucos, antigas tradições foram rompidas. "O grande choque da geração da minha mãe foi o casamento do imperador com uma plebéia. Cresci ouvindo isso", afirma Nakashima. As maiores barreiras foram rompidas por Akihito. Se antes da guerra, os imperadores nunca eram vistos e não falavam, ele jogava tênis com a mulher e usava roupa ocidental. "Isso tudo foi chocante, mas agora o cargo já é mais humanizado", disse.
Keith Brown acredita que o império deve achar um meio termo e cita como extremo oposto o Reino Unido. "Esses escândalos envolvendo o príncipe Charles não fazem bem para a imagem do país", disse. Por outro lado, o antropólogo se sensibiliza com o fardo imposto à família. "[Eles] não podem ir ao parque, fazer compras ou andar de bicicleta. Nós é que temos sorte."


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