São Paulo, domingo, 13 de abril de 1997. |
Próximo Texto | Índice ESPANHA José María Aznar elogia potencial brasileiro e diz que sobreviver a atentado lhe deu ``paz interior'' Premiê quer aproximar Europa do Brasil
PAULO HENRIQUE BRAGA
Folha - Nos últimos anos, tem-se visto um aumento no interesse de instituições espanholas em entrar no mercado brasileiro. Investir no Brasil ficou mais interessante?
Folha - A união do Mercosul com a União Européia seria uma estratégia para competir com mais força diante do Nafta (Acordo Norte-Americano de Livre Comércio)? Aznar - O Mercosul já é uma organização importante e consolidada. Os intercâmbios comerciais com os países do Mercosul aumentaram de maneira vertiginosa, o que é uma garantia de prosperidade e de riqueza para esses países. Esse processo é importante e não pode ser detido. Vamos tentar proporcionar um estreitamento das relações entre a União Européia e o Mercosul. Folha - A Espanha é um modelo de sucesso de transição de um regime autoritário para a democracia que tem influenciado os países do Leste Europeu. O sr. crê que se pode transferir o modelo espanhol com sucesso para outros países? Aznar - Algumas coisas do modelo espanhol, porque cada país tem singularidades. O modelo espanhol é um modelo válido no que diz respeito às regras gerais que definem o processo político, como, por exemplo, diálogo, acordo, consenso. Não olhar para o passado, olhar para o futuro. De 20 anos para cá, estamos especialmente bem em três coisas: primeiro, passar de um regime autoritário para a democracia; segundo, passar de um Estado centralizado para um Estado descentralizado; terceiro, passar de um mundo internacional fechado a estar integrado nas instituições internacionais mais importantes. Isso pode servir como ponto de referência? Claro.
Folha - Quais foram os principais obstáculos para conduzir o Partido Popular até o centro? Aznar -Hoje, todos os países se governam desde o centro, e quem não interpreta isso dessa maneira não poderá governar um país. Outra coisa diferente é a convicção que acompanha isso. Pode-se estar no centro político por convicção ou por simples oportunismo. Eu estou por convicção. Tive de fazer três grandes mudanças no meu partido. Uma mudança de geração, uma mudança ideológica e também uma mudança de dirigentes. Nós somos o que eu chamo a geração da democracia na Espanha. Incorporamos-nos à vida política junto com a democracia espanhola. Houve uma mudança ideológica, assumindo uma atitude mais própria de um partido de centro, uma atitude muito mais tolerante em relação a outras posturas no aspectos social, cultural e político. Uma política econômica muito clara de liberalização. Folha - Como o sr. vê a postura dos nacionalistas catalães e bascos no Parlamento? Não se sente chantageado com atitudes como a de Jordi Pujol (líder dos nacionalistas catalães, que ameaçou retirar o apoio do governo para forçar a realização de eleições)? Aznar - Quando não se tem a maioria, é necessário fazer acordos de governo, e isso é normal. Os partidos nacionalistas jogam lealmente no quadro institucional, têm um nível de compromisso que determina que eles não entram no governo, que emprestam um apoio parlamentar. Há momentos em que isso funciona melhor ou pior, mas em um quadro muito claro de estabilidade política e parlamentar. Isso é o que mais me importa. Quem está aqui é que tem a corda (gesticula, como se estivesse segurando uma corda). A relação consiste em que venham uns e puxem a corda. O importante é que a corda não se rompa. Folha - Então o sr. não se aborrece com isso? Aznar - Eu não me aborreço nunca, não posso me aborrecer. Às vezes, me canso, no sentido de que há pessoas que não entendem bem o que têm de fazer. O importante é que as condições básicas do país sigam bem. Estamos conseguindo muito sucesso no campo econômico e social. Mas se me perguntarem se eu gostaria de ter uma maioria mais folgada, claro. Folha - Em 19 de abril de 95, o sr. escapou de um atentado do ETA. Aznar - Por um fio. Como esse fato modificou sua atitude em relação ao terrorismo? Aznar - Em nada, absolutamente nada. O terrorismo é uma atividade criminosa cujo tratamento do governo não pode depender de que alguém esteja, ou não, afetado pessoalmente. Nossa política em relação ao terrorismo é muito difícil. Tem um componente político, um componente policial, um componente judicial, internacional. É preciso ter, digamos, o leme e a decisão do governo firme nas mãos. A minha posição política não se viu alterada pelo fato de eu ter sido vítima de um atentado. Do ponto de vista pessoal, sim. Folha - Como? Aznar - Quando se nasce duas vezes é possível ver as coisas com mais tranquilidade. Não é uma coisa que eu recomende a ninguém; nascer uma vez já basta. Para mim, se tornou um elemento de paz interior, é possível ver as coisas com mais distanciamento. Não trago rancor pessoal, me afeta muito mais o que aconteceu a outras pessoas. Folha - O que muda? Aznar -É uma questão de atitude mais do que qualquer outra coisa, que se manifesta em diversos aspectos da vida. Não vou dizer ``agradeço por terem praticado um atentado contra mim'', mas digamos que isso me fez ter uma atitude mais pausada, mais positiva. Folha - O sr. vê alguma possibilidade de negociação política para acabar com a violência? Aznar - O diálogo só seria possível se houvesse abandono da luta armada. Folha - A Espanha tem tido uma relação tensa com Cuba no âmbito político. Ao mesmo tempo, o país é um grande investidor na ilha. Como conciliar isso? Aznar - A posição da Espanha, que é compartilhada amplamente, é que se sigam os passos razoáveis em direção à abertura política. Não me diga que isso é impossível, porque não é. Falta vontade. Há também uma posição da Espanha, da União Européia e dos países latino-americanos completamente contrária à lei Helms-Burton. Agora, se você me perguntar se vejo nos dirigentes do regime cubano algum sinal que me permita ser otimista em relação a um processo de abertura, não há. Eu gostaria que houvesse, mas não há.
Folha - Como o sr. acha que a população vê a transição de espírito que sua chegada ao poder representou? O sr. não teme se desgastar mais facilmente sem o recurso do ``espetáculo'' na política? Aznar - A política, para mim, não é um espetáculo, é uma responsabilidade. Um governante tem de conviver com isso, mas eu não me veria nunca como um governante que tivesse a concepção da política como espetáculo. Podem existir presidentes mais introvertidos, mas o que importa é se o país vai bem ou vai mal. Além do mais, o político-espetáculo dura pouco. Folha - Poderia lhe dar o exemplo do Reino Unido, onde a economia vai bem e é provável que John Major seja derrotado na eleição. Aznar - Sim, mas são 17 anos, e também há fatores políticos que não dependem só da economia. As pessoas pensam: ``Está bem, chega, vamos mudar''. O mesmo aconteceu na Espanha após 14 anos de governo socialista. Folha - E o sr. vislumbra um período longo para seu governo? Aznar - Eu não decido. Se os espanhóis quiserem, sim, se não, me mandam para casa. Nos últimos 18 anos, mudei nove vezes, ou seja, duro dois anos em cada casa. Vou ver se nessa duro oito. Folha - O sr. esteve no Brasil. Quais foram suas impressões? O que espera encontrar agora? Aznar - Eu sigo muito atentamente a política do Brasil, particularmente as reformas que foram feitas do ponto de vista constitucional, do ponto de vista legal, e o progresso econômico do país me satisfaz muito. Estive aqui (em Madri) com o presidente Fernando Henrique Cardoso, nos encontramos no Chile. Espero encontrar o país cada vez melhor. Folha - O presidente brasileiro admira o modelo de social-democracia implantado por Felipe González e é amigo pessoal dele. O sr. não teme que ele vá sentir saudades de González? Aznar - Os presidentes da Espanha e do Brasil não podem basear as relações de seus países em saudade pessoal, mas nas responsabilidades do governo. Nossa relação pessoal é boa. As relações pessoais devem ficar no âmbito das relações pessoais. Mas..., presidente Cardoso, a social-democracia é um erro (risos). Próximo Texto | Índice |
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