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Um corpo na calçada, uma cena de horror
DO ENVIADO ESPECIAL
Uma cabeça ensanguentada e
um rosto que parecia ter perdido
a pele, ressaltando apenas os dentes, permaneceu estendido na calçada em frente à padaria da rua
Jaffa, a loja mais próxima do ponto de ônibus em que foi praticado
o atentado de ontem.
Só às 17h45 (11h45 em Brasília),
o corpo foi removido, no saco de
plástico negro com um número 10
pregado. Foi apenas uma das cenas de horror vistas e vividas ontem nessa rua tão central e tão característica de Jerusalém.
Horror contínuo, aliás. Witzhak
Nissan, dono de uma lojinha de
comestíveis e refrigerantes a uma
esquina do ponto da explosão, diz
que já viu cinco atentados por ali
nos últimos anos. Culpa os europeus por eles. "Eles têm boa vida,
democracia, mas apoiam ditaduras. Arafat não quer um Estado
palestino, porque ele é um ditador, mas os europeus o apoiam",
teoriza.
Não é o único ali a teorizar. A
barreira montada pela polícia para impedir a aproximação de curiosos e jornalistas se transforma
rapidamente em uma espécie de
grande e caótico comício.
Um rabino, com longas barbas
brancas, que se identifica apenas
como Aaron, vai ao extremo delírio: "Nem os nazistas chegaram a
este ponto", diz em impecável
francês.
Outro "haredi" (temente a
Deus), tranças longas no cabelo,
critica o prefeito Ehud Olmert,
que foi inspecionar o local do ataque (e por pouco não acabou
atropelado por uma ambulância):
"Peça perdão ao rabino Meir Kahane. Ele estava certo", grita o homem, aludindo a um rabino radical.
Em frente ao mercado Mahane
Yehuda, onde a terrorista-bomba
se explodiu, na rua Meyhuas, na
verdade um beco, o comício ganha cartazes. Um deles mostra o
líder palestino Iasser Arafat e prega: "Cortem a cabeça dele". No
cartaz, a cabeça de Arafat já está
separada do corpo.
Os europeus não são os únicos
apontados como culpados. Outro
cartaz no beco faz a rima: "Bush
don't push" (Bush, não pressione). Alusão ao fato de que o presidente norte-americano vem insistindo há 10 dias, aliás inutilmente,
para que Israel encerre a reocupação dos territórios palestinos "o
quanto antes".
Quando o ministro da Segurança Interna, Uzi Landau, aparece,
os gritos aumentam e o teor de xenofobia também. Outro religioso,
com kipá totalmente negro à cabeça, grita para o ministro: "(O
atentado) é a festa de boas-vindas
para Powell. Fora com os goi" (os
não-judeus).
Os gritos de guerra não são apenas dos mais radicais, dos mais
religiosos. O filósofo Sari Nusseibeh, uma espécie de representante palestino em Jerusalém, conta
que, faz um mês, reuniu-se com
os pacifistas israelenses e deles
ouviu que se consideram uma pequena minoria hoje.
"De 70% a 80% dos israelenses
apoiam as políticas de Sharon
contra os palestinos", concede
Nusseibeh, que está muito longe
de ter a mais leve simpatia pelo
premiê de Israel.
Os atentados cometidos pelos
palestinos são a causa óbvia do
isolamento dos pacifistas e do
crescimento de Sharon.
A cena do atentado é uma demonstração visual do porque. Há
pedaços de corpos espalhados,
misturados a restos de pão da padaria que fica junto ao ponto de
ônibus em que ocorreu a explosão. O corpo do saco plástico número 10 está quase em cima de
uma pilha de caixas já vazias de laranjas, morangos e outras frutas
da "Delicate Iamini".
O ônibus até que ficou pouco
danificado. "Teria sido muito pior
se a explosão ocorresse dentro dele", diz o chefe de polícia Mickey
Levy, que acabou saindo da cena
com lágrimas nos olhos, amparados por auxiliares.
Lágrimas nos olhos também se
viam em incontáveis pessoas que
subiam a rua Jaffa, distanciando-se do local do crime, já isolado pela polícia. Celulares ao ouvido, pareciam contar o que acontecera a
alguém, enquanto as lágrimas escorriam. Quando o sol começou a
se pôr sobre Jerusalém, já não se
ouviam as sirenes das ambulâncias, uma terrível sinfonia poucas
horas antes.
E um homem de roupa toda
preta, kipá idem, gritava junto à
cerca que isolava o local do crime:
"Eles nos matam, nós os matamos". Em seis palavras, uma descrição crua do que está ocorrendo
em Israel e nos territórios palestinos.
(CR)
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