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São Paulo, sexta-feira, 13 de junho de 2003

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Ação humana esburaca a Grande Muralha da China

Frederic J. Brown - 17.dez.2001/Franced Presse
Turistas passam por um trecho da Grande Muralha da China, em Badaling, a noroeste de Pequim


ELISABETH ROSENTHAL
DO "NEW YORK TIMES"

Basta olhar para o topo de qualquer montanha em volta do povoado distante de Bai Yangyu e você verá erguida a Grande Muralha da China, o mais importante marco histórico e geográfico do país, com as elegantes pedras marrons de sua fachada esboroada e suas torres de vigia afastando-se, majestosas, ao longe.
Nesta parte da província de Hebei, o trecho da Grande Muralha situado em Bai Yangyu não apenas forma o pano de fundo de todas as vistas como também é uma relíquia viva que serve de playground para as crianças da cidade ou de pedreira à qual os moradores recorrem quando suas casas precisam de conserto.
Em uma parte da muralha, suas pedras marrons foram substituídas por um gesso calcário de aparência moderna, parte de uma infeliz tentativa local de "renovar" a muralha erguida na Antiguidade. A idéia é atrair o turismo para esta região pobre do país.
A Grande Muralha está sofrendo em boa parte de seus 2.400 quilômetros de extensão, e o principal culpado disso é o homem. No ano passado, especialistas chineses passaram seis semanas inspecionando 101 pontos ao longo da muralha -e ficaram alarmados com o que encontraram.
Em muitos pontos a erosão já destruiu boa parte da muralha e a areia a enterrou, especialmente na região oeste da China, onde boa parte dela foi feita de barro. Na parte oriental da muralha, porém, as maiores culpadas pelos danos são as atividades humanas.
Em um ponto em Pequim, os tijolos do muro estão cobertos de grafites. Em outro local na província de Hebei, a Grande Muralha foi desmontada para que suas pedras pudessem ser usadas em construções. Em muitos locais, como em Bai Yangyu, ela foi enfeitada com o objetivo de atrair turistas. O trabalho foi feito por autoridades que vêem a Grande Muralha como velha e desinteressante, nada mais.
"A atividade humana é a principal causa dos danos causados à muralha", disse o engenheiro Zhang Jun, do departamento florestal estatal, em conferência recente. "Nas áreas não prejudicadas pelas atividades humanas, o ambiente ecológico ainda é bom."
A Grande Muralha da China atravessa nove Províncias e cem condados, e, segundo Dong Yaohui, secretário da Sociedade Grande Muralha da China, que integrou a equipe que pesquisou o local no ano passado, falta à maioria desses locais consciência sobre a importância da muralha e de sua proteção. Na maior parte dos lugares a muralha permanece intocada e parcialmente desmoronada. Mas, para muitas das cidades pobres que ela atravessa, gerar receita é uma preocupação muito maior do que preservar esse monumento histórico.
Em Zhangjiakou, a cerca de 160 quilômetros a noroeste de Pequim, um longo trecho da muralha foi desmontado nos últimos dois anos, pedra por pedra, pelos camponeses locais de espírito empreendedor. Uma construtora estava pavimentando uma rodovia na região e ofereceu 15 yuans -cerca de US$ 2- para cada carregamento de trator de pedras ou tijolos. Acontece que nessa parte do norte da China, vítima de erosão profunda, a muralha é praticamente a única fonte dessa matéria-prima. Resultado: uma seção de mil metros da muralha foi desaparecendo pouco a pouco.
Na periferia de Baotou, na Mongólia Interior, uma construtora recentemente demoliu uma seção da muralha de 2.000 anos para abrir caminho para uma estrada de US$ 12 milhões. A multa não chegou a US$ 10 mil. Para os conservacionistas, porém, o que mais perturba são as muitas tentativas infelizes de desenvolver turismo na muralha, muitas vezes desrespeitando sua forma original.
Em um país em que relíquias da antiguidade não faltam, as autoridades locais muitas vezes manifestam pouco respeito pelos tesouros estragados pelo tempo e, em lugar disso, tendem a querer "melhorar" sua aparência. Alguns anos atrás a maior estátua de Buda em Leshan, na província de Sichuan, recebeu uma mão de tinta de cor gritante, visando fazê-la parecer mais nova. As prefeituras de várias cidades ao longo da muralha a decoraram e reformaram. Algumas das obras resultaram em criações que lembram algo da Disneylândia, evocando muito mais Mickey do que Ming.
"Muitas prefeituras não sabem quase nada sobre relíquias e acham que estão fazendo uma coisa boa, mas, na realidade, estão danificando a muralha", disse Dong. "Mas não podemos culpá-las. É uma questão de senso artístico. Se achassem que ladrilhos brancos fossem bonitos, os colariam sobre a muralha, também."

Tradução de Clara Allain


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