São Paulo, domingo, 13 de junho de 2004

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EUROPA

Populistas e extremistas de direita podem inviabilizar maioria estável no Parlamento Europeu na votação que termina hoje

Eleição na UE mostra força de "eurocéticos"

DA REDAÇÃO

Grupos políticos "eurocéticos", populistas e de extrema direita deverão ter um ganho considerável na eleição legislativa européia, que começou na última quinta-feira e termina hoje, e provavelmente virão a impedir a formação de uma maioria estável no Parlamento Europeu, segundo pesquisas de intenção de voto publicadas ao longo da semana.
A verdade é que o alcance do poder dos eurodeputados ainda não é bem compreendido hoje, 25 anos depois da primeira eleição direta para o Parlamento Europeu. Com isso, as mesmas pesquisas apontam um provável nível de comparecimento às urnas que não chega a 50% do eleitorado.
Essa constatação contrasta com o fato de os poderes do Legislativo europeu virem aumentando nos últimos anos. E, segundo analistas ouvidos pela Folha, o poder dos eurodeputados crescerá ainda mais se a Constituição da União Européia for adotada pelos 25 países-membros do bloco.
"Os poderes do Parlamento Europeu vêm sendo gradualmente expandidos desde sua criação. Até meados da década passada, todavia, eles ainda não eram tão significativos. Hoje os eurodeputados já podem vetar o orçamento da UE, criar comissões de inquérito, destituir a Comissão Européia [o Executivo do bloco], vetar certos acordos internacionais e impedir futuras ampliações", explicou Michael Kreile, da Universidade Humboldt (Alemanha).
"Ademais, o Parlamento também pode emendar ou vetar leis nacionais relacionadas à segurança alimentar, ao transporte, ao ambiente e ao mercado interno, inclusive à regulação financeira", acrescentou o analista alemão.
Mesmo assim, como salientou Anne-Marie Le Gloannec, do Centro Marc Bloch, um instituto de pesquisas franco-alemão de Berlim, a eleição européia não suscita grande interesse. Com isso, "os partidos extremistas ou eurocéticos, que têm uma maior capacidade de mobilização eleitoral, acabam obtendo uma vantagem competitiva". "Isso é perigoso, pois, se a Constituição for adotada, o Parlamento terá amplos poderes", analisou Le Gloannec.
De fato, a Constituição prevê que os eurodeputados passem a ter o poder de emendar leis nacionais ligadas ao direito de asilo, à imigração, ao controle das fronteiras e à cooperação judicial e policial -temas delicados e que envolvem fortes interesses nacionais. Além disso, o Parlamento poderá supervisar os gastos com a agricultura, que constituem quase a metade do orçamento anual do bloco -de 100 bilhões.

Partidos tradicionais
O provável fortalecimento dos "eurocéticos" e dos extremistas reflete o descrédito que envolve os blocos partidários tradicionais: o Grupo do Partido do Povo Europeu e dos Democratas Europeus (de centro-direita) e o Grupo do Partido dos Socialistas Europeus (de centro-esquerda).
Segundo pesquisas, o grupo de centro-direita deverá ficar com 265 das 732 cadeiras do Parlamento. Já o de centro-esquerda ficará com 206 assentos. Assim, se ambos não fizerem uma "grande coalizão" de centro, como era comum até 1999, nenhuma das duas grandes formações deverá conseguir compor uma maioria estável.
"Uma "grande coalizão" seria um quadro ruim, já que engessaria o Legislativo europeu. Afinal, nesse quadro, nenhuma legislação mais ousada deverá ser adotada. Por outro lado, se os "eurocéticos" conseguirem obter as cem cadeiras previstas pelas pesquisas recentes, quase dobrando sua representação no Parlamento, haverá uma bagunça, pois eles estarão em condições de, aliados a diferentes grupos, bloquear a aprovação de projetos de lei claramente integradores", explicou Kreile.
O voto de protesto é comum na eleição legislativa européia, visto que os eleitores a escolhem para "enviar um recado" aos dirigentes nacionais, como lembrou Kreile.
"Na França, o centro-direita deverá pagar o preço das impopulares reformas defendidas pelo presidente Jacques Chirac. Ironicamente, será o centro-esquerda, do chanceler [premiê] Gerhard Schröder, que deverá pagar esse preço na Alemanha", afirmou.
"Além disso, o apoio à Guerra do Iraque e à sua reconstrução também deverá custar caro aos dirigentes de alguns países, como a Itália, do premiê Silvio Berlusconi, e o Reino Unido, do premiê Tony Blair", acrescentou Kreile.
Com efeito, a coalizão governamental holandesa, que mantém soldados no Iraque, já começou a pagar esse preço. No pleito europeu realizado na última quinta-feira, os democrata-cristãos, que são um dos pilares da coalizão, perderam dois assentos, caindo de nove para sete cadeiras.
Nas eleições locais ocorridas no Reino Unido, na última quinta-feira, o Partido Trabalhista ficou em terceiro lugar -algo inédito para uma formação governista. E Blair foi forçado a admitir o "efeito Iraque" na disputa eleitoral.

Leste Europeu
A eleição européia é histórica porque é a primeira em que cidadãos provenientes dos oito países do antigo bloco comunista elegerão seus eurodeputados. Malta e Chipre, que entraram na UE em 1º de maio último, também realizam o pleito legislativo europeu.
Segundo Julius Horvath, presidente da Escola de Relações Internacionais e de Estudos Europeus da Universidade da Europa Central (Hungria), os novos membros não serão responsáveis por uma eventual mudança no Parlamento, mas terão forte contribuição para tanto se ela ocorrer.
"Os dez novos países só terão 162 dos 732 deputados. Mesmo assim, os "eurocéticos" conseguirão muitas cadeiras em alguns dos países do Leste Europeu. Na Polônia, os extremistas deverão obter quase metade dos 54 assentos em disputa. Na República Tcheca e nos países bálticos, as formações contrárias à UE também deverão ter forte apoio popular", indicou Horvath.
Assim, se não conseguirem explicar à população o peso real das instituições européias, o bloco pró-UE correrá o risco de vê-las bloqueadas pelos "eurocéticos", que querem manter a soberania total dos Estados nacionais. (MÁRCIO SENNE DE MORAES)


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