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Revisão cambial arruína norte-coreanos
Desvalorização promovida por Pyongyang provoca pior crise desde fome que matou milhares na década de 90
Relatos revelam quadro econômico deprimente para locais; insatisfação cresce, porém ainda não é causa de instabilidade
DO "NEW YORK TIMES", YANJI (CHINA)
Os norte-coreanos estão
acostumados a dificuldades.
Mas a desvalorização cambial de novembro representou para alguns o pior desastre desde a onda de fome que
matou centenas de milhares
de pessoas nos anos 1990.
Entrevistas realizadas no
mês passado com oito norte-coreanos que deixaram recentemente o país oferecem
retrato deprimente sobre o
desespero na Coreia do Norte
e o crescente ressentimento
contra o ditador Kim Jong-il.
O que parece estar ausente, por enquanto, é instabilidade social. A carestia, a ira
popular pela desvalorização
e a incerteza política enquanto Kim tenta fazer do filho caçula o seu sucessor não resultaram em resistência perceptível contra o governo.
Ao menos dois entrevistados na China repetiram a linha da propaganda de que a
Coreia do Norte é vítima de
inimigos inflexíveis, sua pobreza resulta de um complô
ocidental, e sua sobrevivência está ameaçada por EUA,
Coreia do Sul e Japão.
A acusação sul-coreana de
que a rival afundou navio de
sua Marinha de guerra em
março não passa de outra
parte do complô, disse a mulher de um líder partidário.
BEIRA DO ABISMO
Outros veem com mais ceticismo a propaganda do governo, mas ainda assim consideram uma guerra como
inevitável. "Estamos sempre
à espera de uma invasão",
disse professora primária.
"Meu filho diz querer que a
guerra venha, porque a vida
é difícil demais e de qualquer
jeito é provável que morramos todos de fome", contou.
Ela e outros norte-coreanos concederam entrevistas
sob anonimato, em conversas em boa medida organizadas por igrejas clandestinas
na China, ao norte da fronteira com a Coreia do Norte.
Cerca de metade dos entrevistados disse que planeja
voltar à Coreia do Norte. Os
demais esperam poder desertar para a Coreia do Sul.
A partir de fotos aéreas que
revelam chaminés de fábricas das quais não sai fumaça,
economistas estimam em até
75% suas fábricas ociosas.
A economia cambaleia seriamente desde 2006, quando Kim se retirou de negociações multilaterais para congelar seu programa nuclear.
A Coreia do Sul suspendeu
quase todo o comércio, privando a rival de US$ 333 milhões ao ano em vendas de
frutos do mar e outros itens.
Quando a península foi divida, em 1945, a Coreia do Sul
era mais pobre que o vizinho.
Hoje, o trabalhador médio
sul-coreano ganha 15 vezes
mais que a média salarial da
Coreia do Norte. Os desertores que chegam até a Coreia
do Sul, pela China, aumentam há uma década, e chegaram a quase 3.000 em 2009.
A mortalidade infantil e
materna subiu em ao menos
30% de 1993 a 2008, e a expectativa de vida caiu em três
anos, para 69 anos, segundo
dados dos EUA e da ONU.
A desvalorização cambial
só agravou o sofrimento. O
objetivo era desviar recursos
da vasta economia paralela
para as estatais, que enfrentam sérios deficits de caixa.
O governo tenta periodicamente reprimir os mercados,
regulando preços, horários
de funcionamento, tipos de
produtos vendidos, idade e
sexo dos comerciantes e até
se transportam os produtos
nas costas ou em bicicletas.
RESERVAS LIQUIDADAS
Em comunicado de 2007,
Kim se queixou de que os
mercados se haviam tornado
"nascedouro de toda espécie
de práticas não socialistas".
A desvalorização cambial
de novembro os apanhou de
surpresa. O governo decretou que o novo won, de valor
mais alto, substituiria o velho won, mas as famílias só
estariam autorizadas a converter 100 mil won, o equivalente a US$ 30 pela taxa de
câmbio do mercado negro.
A medida simplesmente liquidou as reservas privadas.
Milhares de pessoas batalhavam freneticamente para
transformar o dinheiro que
em breve perderia o valor em
alguma coisa mais tangível.
Certos preços subiram em
10.000%, segundo relato,
antes que os comerciantes fechassem suas barracas, ao
compreenderem que seus lucros também seriam inúteis.
ISOLAMENTO
Os norte-coreanos que jamais cruzaram a fronteira
não têm como compreender
o grau de seu sofrimento.
Não existe internet. As TVs
e rádios só recebem canais
do Estado. A punição por assistir a filmes e programas de
TV estrangeiros é severa.
Mas as informações começam lentamente a se infiltrar.
Comerciantes que vão à
China dizem que as pessoas
lá são mais ricas e mais livres
e que os sul-coreanos vivem
ainda melhor. Alguns têm celulares conectados às redes
chinesas de telefonia móvel e
permitem que as pessoas os
utilizem clandestinamente,
por preços exorbitantes.
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