São Paulo, sexta-feira, 13 de julho de 2001

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RELATÓRIO

EUA querem impor sanções econômicas em 2003 contra países que não tomem medidas efetivas contra prática

Tráfico humano atinge 700 mil por ano

Associated Press
Vítima de tráfico de mulheres, em Moscou


PAULO DANIEL FARAH
DA REDAÇÃO

O tráfico de seres humanos, chamado pelos EUA de "forma moderna de escravidão", atinge ao menos 700 mil pessoas por ano no mundo, de acordo com um relatório divulgado ontem pelo Departamento de Estado norte-americano.
O documento foi preparado em resposta a uma lei aprovada em outubro que determina a imposição de sanções econômicas em 2003 contra países que não tomem medidas efetivas contra traficantes e para proteger vítimas.
"É incompreensível que o tráfico de seres humanos aconteça no século 21. Incompreensível, mas é verdade, realmente verdade", declarou Colin Powell, secretário de Estado dos EUA.
"Nosso relatório deixa extremamente claro que há tráfico em todo o mundo, tanto em países desenvolvidos quanto em países em desenvolvimento, até nos EUA", afirmou. Entre 40 mil e 50 mil das vítimas acabam nos EUA.
Ouvido pela Folha, um funcionário do Departamento de Estado dos EUA disse, por telefone, que, embora o relatório fale em 700 mil pessoas, o número deve ser ainda maior, e não há estimativas sobre o número de brasileiros vítimas do tráfico de seres humanos.
O relatório diz que "o governo do Brasil ainda não atende totalmente a padrões mínimos" recomendados pelos EUA, como investigações, proteção às vítimas, extradição de criminosos e medidas legais para punir funcionários do governo que tenham defendido medidas brandas demais contra traficantes de seres humanos ou "desculpado" os criminosos.
Afirma, no entanto, que o governo "está promovendo esforços significativos para combater o tráfico, apesar de restrições orçamentárias e falta de coordenação entre os níveis federal e estadual". O relatório diz que a corrupção prejudica o combate à prática.
"O governo [brasileiro" investiga casos de tráfico ativamente. Entre 1996 e 2000, tribunais condenaram 94 pessoas ou grupos por tráfico", diz o documento.
Em geral, as vítimas do tráfico são forçadas a trabalhar em construções, bordéis e em zonas rurais. Apenas a facilitação de entrada ilegal em um país não é considerada tráfico (veja a definição norte-americana no quadro), a não ser que envolva força, fraude ou coerção.
Entre as causas, citam-se instabilidade política, razões econômicas e torpeza moral.
O documento lista 47 países que não atendem aos padrões mínimos estabelecidos na lei, mas estão se esforçando para mudar. Ainda, 23 países, como Grécia, Turquia, Coréia do Sul e Arábia Saudita, integram uma lista negra. A Grécia "ainda não reconheceu publicamente que o tráfico é um problema". Na Arábia Saudita, parte dos trabalhadores é "forçada a exercer servidão doméstica e explorada sexualmente".
Na Coréia do Sul, mulheres são forçadas a aderir à indústria do sexo nos EUA, no Japão e em países europeus.
Israel integra a lista como destino especialmente de pessoas de "Brasil, Turquia, África do Sul e Ásia", e centenas de mulheres da Rússia e de ex-Repúblicas soviéticas são traficadas para o país e forçadas a se prostituir. Processos contra traficantes são muito raros, segundo o Departamento de Estado dos EUA. Mas a maioria dos governos "está adotando medidas para combater essa prática horrível", declarou Powell.

Mulheres e crianças
Segundo o relatório, as vítimas são majoritariamente mulheres e crianças, "coagidas ou sequestradas por criminosos que comercializam a miséria humana".
O relatório do Departamento de Estado diz que muitas vítimas "são submetidas a ameaças contra sua pessoa e a família, violência, condições de vida horríveis e locais de trabalho perigosos... Algumas pessoas responderam a anúncios acreditando que teriam um bom trabalho a sua espera em um novo país".
Segundo o documento, "a dificuldade em medir o escopo do problema se deve ao fato de que muitas vítimas vêm de países em que as autoridades são uma fonte de medo em vez de assistência, e as vítimas em geral relutam em procurar ajuda quando caem nas mãos de traficantes. Em alguns países, as próprias vítimas são processadas e detidas por violar a imigração ou outras leis. Além disso, traficantes podem ameaçar vítimas ou suas famílias".
Powell admitiu que o tráfico ocorre dentro do território norte-americano. Paula Dobriansky, subsecretária de Estado para Assuntos Globais, disse que "medidas corretivas" precisam ser tomadas nos EUA, que não se incluem no relatório. Segundo ela, isso é necessário para "salvaguardar os vulneráveis, punir os traficantes, cuidar das vítimas e prevenir mais tráfico".


Com agências internacionais



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