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São Paulo, domingo, 13 de julho de 2003

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DIPLOMACIA

Brasília quer assento permanente no Conselho de Segurança, mas não honra compromissos atuais com as Nações Unidas

Vaga no CS da ONU trará custo extra ao Brasil

ANDRÉ SOLIANI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

ROBERTO DIAS
DE NOVA YORK

O governo brasileiro aperta o passo para conseguir uma cadeira permanente no Conselho de Segurança (CS) da ONU, mas não consegue honrar seus compromissos com a entidade. Não pagou nenhum centavo dos US$ 41,5 milhões que deveria desembolsar para os orçamentos deste ano da organização. A dívida total, que inclui débitos de anos anteriores, é de US$ 107,2 milhões.
Se, por um lado, representaria ganho político para o país no cenário mundial, a vaga fixa no CS tenderia, por outro lado, a elevar as obrigações do Brasil com a ONU, sobretudo em contribuições militares e em comprometimento de pessoal.
O passo diplomático mais emblemático da candidatura brasileira foi dado no último dia 20 de junho, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu diretamente ao colega George W. Bush o apoio dos EUA à iniciativa.
Só cinco países têm vaga permanente, com direito a veto, entre os 15 membros do CS -o único órgão da ONU com poder para, por exemplo, autorizar uma guerra. Além dos EUA, são fixos o Reino Unido, a França, a Rússia e a China. Os demais membros são eleitos e ficam dois anos. O Brasil deve assumir uma cadeira provisória no próximo ano.
Atualmente, o governo brasileiro tem de contribuir mais para pagar as despesas correntes da ONU (não contando missões de paz) do que a China e a Rússia, que têm cadeiras fixas no CS. A diplomacia brasileira argumenta que o país é o nono maior contribuinte da instituição e não tem representatividade condizente com os pagamentos.
"Nós sofremos um aumento maior das contribuições com a última renegociação da escala de pagamentos sem receber nada em troca", afirma o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, histórico defensor da inclusão do Brasil no CS.
O Brasil também deve mais que a China e a Rússia. É hoje o quarto maior devedor da ONU. E, se o Brasil for elevado à condição de membro permanente, mantidas as atuais regras de rateio, ficará ainda mais caro para o país fazer parte da instituição.
Além das despesas correntes, a ONU tem um segundo orçamento para o custeio das missões de paz. Os membros permanentes têm de arcar com a maior parte dos custos dessas missões.
As contribuições da China e da Rússia à ONU mais que dobram quando incluídos os pagamentos para as missões de paz. Neste ano, o Brasil deveria pagar US$ 32,3 milhões para cobrir as despesas correntes da ONU; a China, US$ 20,7 milhões, e a Rússia, US$ 16,2 milhões. O custo das missões de paz para o Brasil em 2003, por outro lado, é de US$ 5,6 milhões, enquanto a China precisa bancar US$ 22,5 milhões. A Rússia deverá pagar US$ 17,6 milhões.
Neste ano, nada disso foi pago pelo governo brasileiro, que acumula também dívidas passadas, fazendo o débito total chegar a US$ 107,2 milhões.
Pela Carta da ONU, um país pode perder seu voto até na Assembléia Geral -a instância que congrega todos os membros da entidade- se sua dívida superar o dobro da contribuição devida anualmente. Isso não acontece se o governo devedor conseguir uma espécie de "perdão", mostrando que não teve como pagar.
"É um problema dramático. Um país com a projeção internacional do Brasil não pode estar ameaçado de perder o seu direito de voto", diz Amorim, que considera "lamentável" a situação. Um diplomata brasileiro entrevistado pela Folha diz que o governo pagará pelo menos o mínimo necessário para não perder o direito ao voto na Assembléia Geral.
A contribuição brasileira é maior que a da China e a da Rússia porque é estimada com base no tamanho da economia e na renda per capita. Na última vez em que foi calculada a parte de cada país, na segunda metade dos anos 90, o real estava valorizado em relação ao dólar, o que prejudicou o Brasil.
Dado que o país não consegue honrar seus compromissos com a organização e que chegar a ser membro permanente do CS significa mais custos, a pergunta que fica é se vale a pena tentar entrar no seleto grupo.
Amorim diz que sim. "O aumento não seria absurdamente grande", pondera o ministro. Ele enfatiza a importância de o Brasil estar no centro das decisões. Na sua opinião, as decisões do CS afetam o país e a melhor estratégia para não ser prejudicado é poder influenciá-las diretamente.
Por outro lado, especialistas apontam que a entrada no CS pode significar outros custos importantes, como o comprometimento de tropas em operações de paz da ONU -o Brasil é hoje o 47º contribuinte.
"Os membros permanentes não são os maiores contribuintes. Entretanto outros candidatos, como a Nigéria e a Índia -que são o segundo e o terceiro maiores contribuintes-, usam isso como argumento para seu pedido. Assim, pode aumentar a pressão para o Brasil se envolver mais no campo das missões de paz", diz Jochen Prantl, professor da Universidade de Oxford e estudioso da ONU.
Na opinião de um diplomata que foi do primeiro escalão durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), a cadeira tem um preço político.
A maior parte dos assuntos em discussão no CS, opina o diplomata -que não quis ser identificado-, diz respeito a questões africanas e do Oriente Médio, que não são tão interessantes para o Brasil.
Se conseguisse a cadeira permanente, o Brasil precisaria tomar posições nessas discussões e acabaria se indispondo com outros países. Também sofreria pressões diretas das potências mundiais, pois sua posição se tornaria importante para aprovar projetos de interesse de países como os EUA.
Prantl diz ainda que a cadeira no CS exige investimento em pessoal. "Membros permanentes precisam de considerável apoio de suas capitais. Em geral, a vaga permanente requer uma política externa que reflita visões e interesses globais. Precisa de estruturas institucionais apropriadas, com recursos humanos suficientes", diz o estudioso.


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