São Paulo, segunda-feira, 13 de agosto de 2001

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ORIENTE MÉDIO

Governo israelense diz que país "não cumpriu o seu papel"; Embaixada do Brasil não envia representante

Israel pede desculpas em enterro de Balazs

SANDRA AISEN
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE ASHQUELON

O brasileiro Jorge Balazs, 69, morto na última quinta-feira em um atentado a bomba em Israel, foi enterrado ontem na cidade de Ashquelon (a 65 km de Tel Aviv). Dezenas de pessoas acompanharam a cerimônia.
Flora Rosenbaum, 58, mulher de Jorge, e Deborah Brando Balazs da Costa Faria, 43, filha de seu primeiro casamento, não foram ao enterro. Elas permanecem internadas no hospital Haddassah Ein Karem, em Jerusalém.
Deborah e Flora passavam com Jorge em frente à pizzaria Sbarro, a caminho do Muro das Lamentações, em Jerusalém, na hora do atentado, reivindicado pelo grupo terrorista Hamas. Deborah sofreu queimaduras no cabelo e nas pernas, além de ter tido dois estilhaços de vidro enterrados em uma das pernas. Flora sofreu um corte na cabeça, queimaduras e perdeu parte dos dentes.
Rinat Balazs, 28, outra filha de Jorge, acompanhava o grupo no passeio, mas não ficou ferida.
O atentado causou a morte de 16 pessoas e feriu pelo menos 90.
"Havíamos pedido uma autorização especial do hospital para que minha mãe pudesse ir ao cemitério", disse Michael Balazs, 30, filho de Jorge e Flora. "No fim, o médico achou melhor que ela não saísse do hospital por causa de seu estado ainda frágil."
Segundo Michael, que foi a Israel logo depois de saber da morte do pai, a família resolveu sepultar Jorge no país para que Flora, que terá de permanecer internada por três semanas, pudesse ir ao enterro. A cidade de Ashquelon foi escolhida porque vários parentes da família moram na região.
"Não temos nenhuma família em Jerusalém", afirmou Michael. "Depois de seu casamento, meu irmão Aran deve se mudar para cá. Assim, ele vai poder tomar conta da sepultura."
O casamento de Aran, 33, motivo pelo qual Jorge viajou a Israel com Flora, Rinat e Deborah, estava previsto para acontecer amanhã. Mas a lei judaica prevê sete dias de luto durante os quais a família do falecido deve ficar em casa, fazendo preces e recebendo a atenção de parentes. O casamento foi adiado para depois do luto.
Segundo Michael, haverá uma cerimônia de casamento simples, na sinagoga do hospital onde Flora está internada. De acordo com a lei judaica, apesar de a família estar enlutada, a cerimônia de casamento deve acontecer, pois a data já estava marcada antes da morte. Mas o casamento não pode ser uma festa: música e danças são proibidas.
"Era um dos momentos mais felizes da vida do meu pai", disse Michael. "É realmente uma tragédia. Mas nós não vamos deixar de visitar Israel. Tenho certeza de que minha mãe vai querer continuar a vir. Isso foi uma tragédia, acontece. Se eu levasse um tiro em São Paulo, as pessoas não fariam tanto barulho."
Ainda segundo Michael, Flora deve ficar hospitalizada por mais três semanas e continuará o tratamento no Brasil. "Mas Deborah deve sair do hospital em dois ou três dias. Ela vai continuar o tratamento no Brasil, no Hospital Israelita Albert Einstein."
Durante o velório, que, segundo a tradição judaica, ocorre momentos antes de o corpo ser sepultado, o clima era de tristeza e incompreensão. Uma representante do governo de Israel fez um discurso, em que pediu desculpas à família.
Segundo ela, Israel pede e incentiva que judeus do mundo inteiro venham ao país em um momento em que a nação precisa de apoio para enfrentar a crise pela qual está passando, mas não conseguiu cumprir a sua parte, a de proteger aqueles que vêm. "Jorge Balazs veio a Israel para o casamento de seu filho, mas também para dar apoio ao país", disse.
O prefeito da cidade de Ashquelon também discursou. O Ministério de Turismo de Israel enviou um representante e flores. A Embaixada do Brasil em Israel, entretanto, não enviou representante nem respondeu a telefonemas.
A maioria dos presentes era de amigos de Jorge e Flora da época em que eles viveram no kibutz (fazenda coletiva) Broch Chail, nos arredores de Ashquelon.
Segundo Ari Fisher, primo brasileiro de Jorge que mora há oito anos em um kibutz nas colinas do Golã, a última palavra que Jorge disse antes de morrer foi "Deus".
"Falei com Deborah pelo telefone", disse. "Ela contou que, logo depois da explosão, ela agarrou a mão de Jorge. Ele apertou [a mão dela" fortemente e disse "Deus"."
Fisher conta que Rinat, que estava acompanhando os pais e a irmã no passeio, se distanciara do grupo para comprar um cartão de loteria no momento da explosão e, por isso, saiu ilesa. "Ela realmente tirou a sorte grande."
Segundo Avraham Shenfeld, secretário do Broch Chail, Jorge trabalhou muito tempo no kibutz como cozinheiro. Sonia Niremberg, que conheceu Jorge e Flora no kibutz, conta que, após chegar a Broch Chail, Balazs foi estudar em uma das melhores escolas de chefs de Israel.
"Quando o filho mais velho, Aran, tinha uns 12 anos, a família decidiu voltar para o Brasil", disse Sonia. "Acredito que um dos motivos da volta foi o fato de a filha do primeiro casamento de Jorge, Deborah, estar morando lá."
Segundo Fisher, após voltar ao Brasil, Jorge continuou no ramo da culinária. "Durante algum tempo, Jorge foi dono do restaurante Pinel, nos arredores do Colégio Objetivo, em São Paulo."
Outra amiga dos tempos do Broch Chail, Ruth Zimerman, disse que Jorge chegou ao kibutz no início dos anos 60 e Flora, algum tempo depois da Guerra dos Seis Dias, em 1967. "Eles eram ótimas pessoas, estavam totalmente integrados à sociedade do kibutz."
A família Balazs evitou o contato com a imprensa. Emissoras de rádio e televisão israelenses enviaram repórteres ao enterro, mas um policial disse que a família não queria ser importunada.



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