UOL


São Paulo, quarta-feira, 13 de agosto de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CASO KELLY

Dossiê é pivô de inquérito

Jornalista da BBC volta a acusar governo Blair

DA REUTERS, EM LONDRES

O jornalista da BBC Andrew Gilligan disse ontem que o especialista britânico em armas David Kelly acreditava que o Iraque fosse uma ameaça militar mínima e acusou o governo de exagerá-la para justificar a guerra.
A afirmação foi feita em depoimento no inquérito sobre a morte de Kelly. Ele se suicidou cortando o pulso no mês passado, após a revelação de que o cientista havia sido a fonte de Gilligan numa reportagem segundo a qual um dossiê do governo britânico sobre armas iraquianas teria sido "incrementado" a pedido do chefe de comunicações do premiê Tony Blair, Alastair Campbell.
Gilligan disse que Kelly lhe contou que a maioria dos especialistas britânicos em inteligência estava insatisfeita com o dossiê.
Mas a versão de Gilligan sobre a conversa que ele teve com Kelly destoa de um memorando enviado pelo cientista a seus chefes. "Nossa conversa não foi sobre o dossiê", escreveu Kelly no memorando, acrescentando ter dito a Gilligan que acreditava que o dossiê constituísse ""um reflexo justo de informações obtidas de fontes abertas".
Gilligan, no entanto, lendo anotações feitas de sua conversa com Kelly, disse: "O programa [de armas de Saddam Hussein] era pequeno. Ele não teria conseguido matar muita gente, mesmo que tudo tivesse dado certo para ele". Em outro trecho, Kelly teria mencionado o fato de "não haver armas utilizáveis" no Iraque.
Quase cinco meses depois de as forças americanas e britânicas terem invadido o Iraque para derrubar Saddam Hussein, ainda não foram encontradas armas de destruição em massa no país, fato que está reduzindo os índices de confiança pública em Blair. Uma sondagem conduzida nesta semana indica que 41% da população britânica culpa o governo pela morte de Kelly, e 68% acreditam que o governo tenha agido de maneira desonesta.
Gilligan disse que Kelly criticou Campbell por modificar o dossiê de inteligência redigido antes da guerra, dando destaque à alegação de que o Iraque seria capaz de colocar armas químicas ou biológicas em funcionamento após aviso prévio de apenas 45 minutos. "A maioria das pessoas no setor de inteligência estava insatisfeita com o dossiê porque ele não refletia a opinião fundamentada que elas estavam propondo."
Sua afirmação foi confirmada anteontem, quando Martin Howard, vice-chefe de inteligência do Ministério da Defesa britânico, disse no inquérito que dois funcionários da pasta estavam insatisfeitos com os termos utilizados no dossiê do governo, divulgado em setembro de 2002.
Segundo Gilligan, o dossiê ""foi modificado uma semana antes de sua publicação, para se tornar mais interessante". Indagado sobre como acontecera essa modificação, Gilligan respondeu no inquérito: "Kelly disse: "Campbell". O governo nega a versão de Gilligan.


Texto Anterior: Jogos patrióticos
Próximo Texto: Panorâmica - Lockerbie: Líbia assume culpa por bomba em avião em 1988
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.