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Armas põem em questão relação Brasil-EUA
Especialistas sul-americanos especulam sobre posição da "potência emergente" ante as políticas americanas na região
Apesar de não verem ameaça nas aquisições brasileiras, vizinhos lembram que armas de dissuasão não servem para combater as drogas
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO
As compras de armamento
na América do Sul não chegam
a configurar uma corrida armamentista clássica, porque não
há situação de busca contínua
por equilíbrio bélico na região.
Nenhum país tem capacidade a
longo prazo para competir com
as aquisições recém-anunciadas pelo Brasil ou com a produção autônoma que o país quer
desenvolver.
Mas é essa ausência de ameaças na vizinhança que ressalta a
ambiguidade do plano de defesa brasileiro. Como fica a posição da "potência regional"
diante das políticas dos EUA no
subcontinente e como será no
futuro a relação bilateral?
Essas foram questões levantadas por especialistas de Brasil, Argentina, Chile, Colômbia
e Venezuela ouvidos pela Folha sobre o impacto regional do
acordo com a França para a
compra de submarinos convencionais e helicópteros e a
construção de um submarino
de propulsão nuclear.
Professor do Centro de Estudos Hemisféricos da Universidade Nacional de Defesa dos
EUA, o consultor brasileiro Salvador Raza contou que há um
mês, em conversa com autoridades americanas, ouviu "O
que vocês querem?" várias vezes. "Eles não entendem. Dizem, "estamos aqui para trabalhar juntos, os EUA não invadirão a Amazônia"."
Para Raza, o Brasil deveria
trabalhar com os EUA "num
ambiente colaborativo-competitivo", como o existente dentro
da Otan (aliança militar ocidental). Mas ele avalia que a política externa "não está preparada para isso" e que a política
interna "com viés antiamericano" é empecilho. "No entorno
brasileiro, está todo mundo esperando que a gente se posicione", avisa.
A Estratégia Nacional de Defesa, divulgada em dezembro
último, justifica a renovação do
arsenal brasileiro como um
ajuste da capacidade militar do
país à sua "estatura político-estratégica".
A compra de armas de "dissuasão", incluindo os 36 caças
que também podem vir da
França, é vinculada não a um
inimigo específico, mas a um
cenário futuro em que, na corrida global por recursos, será
preciso proteger as reservas de
água e energia, principalmente
na Amazônia e no litoral.
Os caças e o submarino nuclear são projetos antigos, mas
o fato de o pacote francês ter sido fechado num momento de
tensão quanto a políticas dos
EUA na América do Sul não
passou despercebido.
O analista militar chileno
Raúl Söhr e o argentino Juan
Gabriel Toklatián, professor de
relações internacionais da Universidade Di Tella, mencionaram a "inquietação" causada
pela reativação da 4ª Frota, em
2008, e pelo acordo para o uso
de sete bases na Colômbia
-ambos vistos com desconfiança no Brasil.
"Há uma política pouco clara
dos EUA. Não se entende por
que eles precisam agora de uma
patrulha ao redor da América
Latina nem de presença militar
reforçada na Colômbia, quando
ela não mudou os problemas
fundamentais colombianos",
pondera Söhr.
Ele vê no Brasil uma "ambição latente" de ocupar o lugar
dos EUA no subcontinente.
O coronel da reserva Jesús
Alberto Mora, professor da Escola Superior de Guerra colombiana, considera "lógico" que o
país "chegue a querer se pôr na
vanguarda da região".
Mas Söhr acha risível supor
que as novas armas estariam ligadas a uma hipotética ameaça
americana. "Se os EUA decidirem invadir um país, não é isso
que vai dissuadi-los", diz o chileno, um crítico do rearmamento conduzido pelos militares de seu país e o único de oito
entrevistados a considerar as
compras brasileiras "absolutamente desnecessárias".
Para ele, chamar de "estratégico" o acordo com a França é
um "verniz político" para uma
compra que só poderia vir da
Europa, já que os EUA não têm
submarinos convencionais.
Tokatlián, ao contrário, avalia que o acordo representa ao
mesmo tempo "o fim da relação
militar privilegiada" que o país
teve com os EUA após a 2ª
Guerra Mundial e uma opção
"prudente" de não confrontação com a superpotência.
Como a maioria dos entrevistados, ele indicou que, se o Brasil quer dar lustro à sua liderança, vai ser cobrado pelos vizinhos. Disse esperar que o país
use o acertado com a França
para reforçar pacto nuclear assinado em 2008 com a Argentina. "Seria a demonstração de
que procura uma autonomia
compartilhada com a região."
O problema das drogas -para o qual não servem as armas
dissuasivas compradas pelo
Brasil- foi lembrado por muitos, como vetor da presença
americana e principal fonte de
instabilidade na região andina.
Tokatlián sugeriu que o Brasil lidere a convocação de uma
cúpula sobre o tema. "Estamos
numa "guerra às drogas" cada
vez mais falida. Convocar uma
reunião, com os EUA incluídos,
me parece essencial."
De seis analistas de países vizinhos, nenhum considerou a
compra brasileira uma ameaça,
mas o coronel Mora mostrou-se atento ao risco da ambição
nuclear -o "próximo grande
debate", de acordo com Eurico
de Lima Figueiredo, diretor do
Núcleo de Estudos Estratégicos da UFF (Universidade Federal Fluminense).
Mora fez questão de lembrar
que o Brasil é signatário do Tratado de Tlatelolco, que declarou a América Latina e o Caribe
livres de armas atômicas.
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