São Paulo, domingo, 13 de outubro de 2002

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Nascido de ruptura na esquerda, grupo redefine conservadorismo


Movimento une conservadores de inspiração religiosa e duas gerações de trotskistas dos EUA

DO ""LE MONDE", EM WASHINGTON

Porque há entre seus integrantes um Cohen, um Kagan, um Krauthammer e diversos Horowitz e porque ele defende Israel incondicionalmente, alguns dos adversários do movimento neoconservador o classificam na categoria dos grupos de lobby judaicos. Desnecessário dizer que essa classificação é carregada de sentidos implícitos. O que fica subentendido é que não são mais os EUA que apóiam Israel, mas Israel -ou, mais precisamente, a direita israelense- que, por meio dos neoconservadores, inspira a política americana.
A realidade é diferente, mas é verdade que a aventura dos neoconservadores é em parte, de início, uma história judaica. Ela nasce no meio intelectual nova-iorquino, onde, nos anos 1950, o marxismo é influente e sua versão stalinista é fortemente representada. Discordando desses comunistas de obediência rígida, alguns se voltam ao trotskismo.
Para muitos desses intelectuais e militantes, a luta contra a União Soviética é prioritária. Esse é um dos temas em torno dos quais irão se dissociar do resto da esquerda, antes de ir mais longe e contestar a política dita de ""coexistência pacífica" entre os dois blocos.
Assim, irão se distanciar do movimento contra a Guerra do Vietnã. O neoconservadorismo nasce, de um lado, de uma ruptura no seio da esquerda. A nova corrente pensa que os EUA têm razão em combater o comunismo na península indochinesa.
Seus integrantes também se distanciam de sua família política de origem, no que diz respeito a Israel. Enquanto o anti-sionismo vira moda na esquerda radical, incluindo a judia, eles se mantêm fiéis ao apoio que a esquerda democrática, assim como a social-democracia na Europa, sempre deu ao Estado judeu. Acham que Israel, única democracia no Oriente Médio, briga permanentemente por sua sobrevivência e deve ser defendida incondicionalmente.
Nos anos 70 tem início uma ampla redefinição do conservadorismo americano. Os militantes desse renascimento vêm de horizontes diversos. Alguns são saídos da esquerda nova-iorquina e até mesmo da extrema esquerda. Outros vêm do conservadorismo tradicional, com frequência influenciado por James Burnham e Wilmoore Kendal, que também passaram pelo trotskismo, mas são mais velhos em uma geração. Uma terceira fonte é a de um conservadorismo de inspiração religiosa, que Russell Kirk reabilitou em seu livro ""The Conservative Spirit" (1953).
Todos esses intelectuais se sentem igualmente distantes dos democratas e dos republicanos. Estes últimos estão moralmente falidos após a Presidência de Richard Nixon e o escândalo Watergate, que levou à eleição, em 1976, do democrata Jimmy Carter. Aos olhos daqueles que já começam a ser conhecidos como neoconservadores, este representa o extremo em termos de desvio americano provocado pelo Vietnã e por Watergate. A reação se organiza em torno de um antigo ator de cinema, político instintivo e ""comunicador" sem igual, Ronald Reagan, que vai derrotar Carter na eleição presidencial de 1980.
Vinte anos mais tarde, o período Reagan continua a ser a era de ouro dos neoconservadores. ""A América está de volta", proclamava o presidente. É o fim dos tempos de sentimento de culpa e da dúvida histórica. Redução nos impostos e luta contra o ""império do mal": não se cogita mais a coexistência pacífica, mas a ""guerra nas estrelas" para forçar a URSS a fazer um esforço militar que sua economia não consegue sustentar. Os neoconservadores não se distinguem unicamente por sua posição com relação à URSS. Eles se opõem à esquerda também em outros pontos. Na área econômica, eles adotam o monetarismo de Milton Friedman e da escola de Chicago. Na área social, são radicalmente contrários ao Estado de bem-estar social, que, para eles, exerce efeitos desastrosos sobre a comunidade negra.

Exigências morais
Para Michael Horowitz, um dos dirigentes do Hudson Institute, professor de direito engajado, em sua época, no combate à discriminação racial, ""os benefícios familiares instalaram o Estado no lugar do homem na família negra".
Por razões análogas, os neoconservadores são hostis à política de ação afirmativa, que garante o acesso de membros de minorias a determinadas funções. Em outras palavras, os neoconservadores reafirmam os princípios da direita tradicional: família, trabalho, esforço individual, moral, menos Estado e mais responsabilidade.
São a favor da pena de morte -para eles, é a moral da responsabilidade individual-, contra a limitação do direito de portar armas de fogo e contra o aborto, se bem que esse último tema deixe alguns deles incomodados.
Aos olhos deles, os EUA são a nação providencial, guiada por exigências morais incontestáveis -""não negociáveis", dizia o presidente George W. Bush no discurso que pronunciou em junho em West Point- e cujos interesses se identificam com os da humanidade inteira. Com Bush, os neoconservadores reencontraram a inspiração dos anos Reagan. O inimigo não é mais o comunismo -é o terrorismo islâmico-, mas os princípios que devem guiar a nova luta da América não mudaram: ""clareza moral" e ""guerra justa".

Tradução de Clara Allain


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