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Ministra anuncia sanção a neto de Pinochet
Fardado, o capitão do Exército Augusto Pinochet Molina elogiou golpe em discurso
Vivianne Blanlot, chefe da pasta de Defesa e única representante do governo no funeral do ditador, foi vaiada como "traidora"
BRUNO LIMA
ENVIADO ESPECIAL A SANTIAGO
Fortemente vaiada ontem no
funeral do ditador Augusto Pinochet Ugarte, a ministra da
Defesa chilena, Vivianne Blanlot, única representante do
governo da presidente Michelle Bachelet a comparecer à cerimônia, anunciou ontem que o
Exército iria punir Augusto Pinochet Molina, capitão do
Exército e neto do ditador, mas
não disse como.
Fardado e diante de seus superiores, Molina fez um discurso que quebrou completamente o protocolo militar. Declarou
que os "juízes [dos processos
contra Pinochet] buscavam
mais fama que justiça" e elogiou o avô por derrotar "não pelo voto, mas pelo meio armado"
e "em plena Guerra Fria, o modelo marxista que queria impor
seu traço totalitário", referindo-se à Unidade Popular do
presidente Salvador Allende,
derrubado no golpe de 1973.
Militares que presenciaram o
discurso disseram à Folha que
isso poderia implicar sanções
capazes de arruinar a carreira
do capitão ou até mesmo levar
à sua expulsão do Exército.
"Não é aceitável que um oficial da ativa pronuncie um discurso público com comentários políticos e que, além disso,
ofenda Poderes do Estado",
afirmou a ministra Blanlot. No
funeral, o público xingou a ministra de "velha feia" e "traidora" e apenas a caçula de Pinochet, Jaqueline, foi cumprimentá-la.
As declarações da ministra
contrastaram totalmente com
sua posição durante a cerimônia. Mesmo ao ouvir Pinochet
sendo descrito como "generoso", "humilde", "democrático"
e "magnânimo", não esboçou
reações e se manteve quase
imóvel, com mãos sobre o colo
e pernas cruzadas. Seu pé esquerdo, porém, não parou
quieto, denunciando alguma
impaciência.
"Respeito"
Anteontem, Marco Antonio
Pinochet, filho do ditador, havia pedido que, por "respeito à
família" nenhum membro do
governo chileno fosse aos ritos.
Mas a ministra explicou que
sua presença era obrigatória:
"Não era um funeral privado.
Não poderia ser celebrada uma
cerimônia oficial para um ex-comandante em um recinto
militar sem a presença do ministro da Defesa".
Pinochet morreu no domingo, uma semana depois de ter
sofrido um ataque cardíaco. O
general teve direito apenas aos
rituais destinados a ex-comandantes-chefes do Exército. Não
recebeu honras de chefe de Estado por decisão da presidente
Bachelet, que esteve presa com
a mãe em um dos principais
centros de detenção clandestinos da ditadura. Seu pai, um general da Força Aérea, morreu
torturado pelos militares.
Ontem, assim que a ministra
chegou ao funeral, os cinco filhos do general se dirigiram
imediatamente ao caixão e deixaram sobre ele a faixa presidencial, em claro protesto. Durante os discursos, várias vezes
foi dado a Pinochet o tratamento de "presidente da República"
-inclusive pelo próprio comandante do Exército, Oscar
Izurieta-, o que rendia aplausos emocionados do público.
Cerimônia exclusiva
Apenas cerca de 4.500 convidados especiais tiveram acesso
ao pátio da Escola Militar Bernardo O'Higgins para assistir
ao funeral. Do lado de fora, estavam outras 50 mil pessoas,
que não entraram, mas chamavam pelo nome de Pinochet e
gritavam insultos a Bachelet.
Durante e após a missa de
corpo presente, mulheres elegantemente vestidas gritavam
e choravam de forma descontrolada -era o mesmo fervor
dos que haviam sido barrados
na porta. Quando o caixão foi
retirado, uma senhora loura de
uns 60 anos, que vestia terninho negro, óculos escuros e sapatos Prada, gritava aos prantos: "Adeus, herói do Chile!"
Depois, o caixão foi levado
para um desfile dentro do pátio
da escola militar em uma carruagem, cercado por soldados a
cavalo. Seguindo a tradição,
atrás seguia um cavalo sem cavaleiro, puxado por um soldado, representando a ausência
do morto. Em seguida, o corpo
de Pinochet foi levado de helicóptero ao cemitério Parque
del Mar, onde foi cremado.
"Vovô" e imprensa
Outra neta do ditador, María
José Martínez Pinochet, disse
em discurso que sentia-se feliz
por outros chilenos também se
referirem a Pinochet como "tata" (vovô) e chamou carinhosamente o avô de "gordito". Já
Ines Lucía referiu-se ao golpe
de 1973 como uma "chama de
liberdade" e criticou os jornalistas estrangeiros.
"A imprensa internacional
não compreende como centenas de milhares de compatriotas informados, sem pressão e
sem prêmios, são capazes de
mostrar agradecimento e afeto
por alguém que a imprensa
qualifica com os piores termos
com que se pode referir a um
ser humano", afirmou.
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