São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 2007

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ENTREVISTA - JORGE DOMÍNGUEZ

EUA querem uma solução regional para Chávez

Reação a estatização mostra que Washington evita confronto, diz especialista; governo americano estaria preferindo deixar desafetos a cargo de parceiros

OS ESTADOS UNIDOS estão tentando reduzir o prejuízo que tiveram com suas políticas para a América Latina durante o primeiro mandato de George W. Bush e não vão partir para uma confrontação com o venezuelano Hugo Chávez por causa do plano de estatização de companhias telefônicas e elétricas que têm acionistas americanos.

CLAUDIA ANTUNES
EDITORA DE MUNDO

É o que afirma Jorge Domínguez, pró-reitor para Assuntos Internacionais de Harvard e professor de política e economia latino-americanas do Departamento de Governo da universidade, onde também dá aulas sobre as relações entre os EUA e a América Latina.
Segundo Domínguez, depois de adotar políticas desastradas entre 2001 e 2004, o governo americano tem preferido deixar que seus parceiros na América Latina, principalmente o Brasil, lidem com potenciais desafetos dos Estados Unidos na região, entre eles Chávez e o boliviano Evo Morales.
Numa palestra na semana passada em São Paulo, onde visitou o escritório recém-aberto pelo centro de estudos latino-americanos de Harvard, o especialista listou os erros cometidos pela atual administração republicana na América Latina.
Alguns deles: o apoio ao golpe de Estado contra Chávez, em 2002; a decisão de não ajudar a Argentina durante a crise econômica que levou à moratória, em 2001; e a campanha contra o então líder da oposição Evo Morales durante os distúrbios que levaram à renúncia do presidente pró-americano Gonzalo Sánchez de Lozada, em 2003.
"Sánchez de Lozada foi à Casa Branca pedir US$ 100 milhões e saiu com uma promessa de US$ 10 milhões. Depois, o embaixador fez declarações contra Morales, que imediatamente subiu nas pesquisas."
Na exposição, Domínguez destacou as boas relações entre EUA e Brasil. Citou a "concordância em não persistir na Alca (Área de Livre Comércio das Américas)" e a presença militar brasileira no Haiti, "que liberou tropas americanas para o Iraque e o Afeganistão". Na Cúpula das Américas de 2005, disse, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva hospedou Bush e apareceu como o parceiro "confiável", diante da hostilidade de Chávez e do argentino Néstor Kirchner.
Sobre Chávez, o professor disse ainda que o lado prático da relação com os EUA é "excelente": a Venezuela mantém o fluxo de petróleo e é tida como "boa pagadora" em Wall Street.
Nascido em Cuba, Domínguez diz que "já aconteceu uma transferência de poder" na ilha, para uma liderança coletiva. Ele viu dois sinais positivos: o fato de Raúl Castro ter ordenado uma inspeção de todos os serviços públicos - "o consumidor nunca foi prioridade do regime"- e o discurso dele aos estudantes pedindo ousadia.
O professor falou à Folha após a palestra.

FOLHA - O senhor diz que as últimas medidas de Chávez não vão piorar as relações com os EUA. Os EUA não podem ser atraídos ao conflito por Chávez?
JORGE DOMÍNGUEZ
- O conflito é importante para Chávez. Mas, nos últimos dois anos, os níveis mais altos do governo americano compreenderam que as respostas retóricas dos Estados Unidos o ajudavam. A equipe que lida com a América Latina no Departamento de Estado é muito melhor hoje, com Thomas Shannon como subsecretário para o Hemisfério Ocidental, do que era no primeiro mandato de Bush (2001-2004). O secretário de Imprensa da Casa Branca disse que a estatização é um problema entre Chávez e os acionistas das companhias, que eles esperam compensação e que um Estado soberano pode nacionalizar, desde que pague compensação. Isto é uma tentativa deliberada de dizer: nós na Casa Branca não vamos entrar numa disputa de gritos com Chávez, vamos resistir ao desejo dele de tornar os Estados Unidos o diabo e vamos deixar que outros lidem com o problema. É uma estratégia coerente com o que tem acontecido nos dois últimos anos -e mais inteligente também.

FOLHA - Os EUA não estão preocupados com a influência de Chávez em outros países da região?
DOMÍNGUEZ
- Claro, o governo americano está preocupado com a interferência de Chávez na política interna de outros países latino-americanos. Mas, mesmo nesses casos, o comportamento tem sido semelhante. Veja como o governo americano lidou com Evo Morales. A embaixada americana em La Paz congratulou Morales imediatamente depois da eleição dele, em 2005. Depois, a secretária de Estado Condoleezza Rice arranjou um encontro com Morales na posse de Michelle Bachelet, no Chile. E, mais importante, quando Morales anunciou a expropriação dos campos de gás, os Estados Unidos decidiram deixar o Brasil negociar com a Bolívia, em vez de dizer que era algo que Chávez inventou, ou que iriam transformar isso num problema bilateral. A posição foi: deixe a Petrobras negociar.

FOLHA - O quanto há de coordenação entre os governos brasileiro e americano em casos como este?
DOMÍNGUEZ
- Isto eu não sei, mas acho que, mesmo que não haja nenhuma coordenação, os Estados Unidos foram espertos o suficiente para constatar que os interesses do Brasil e da Petrobras eram inteiramente coerentes com os objetivos dos Estados Unidos. E funcionou. Morales recuou.

FOLHA - O senhor assinalou a mudança nas posições do Departamento de Estado no segundo mandato de Bush. O quanto essa mudança é consensual?
DOMÍNGUEZ
- A única área que eu conheço em que defensores da velha linha foram capazes de dominar a política americana na América Latina desde que Condoleezza Rice assumiu foi na eleição presidencial na Nicarágua, no ano passado. O que os Estados Unidos deveriam ter feito na ocasião foi o mesmo que fizeram na Bolívia em 2005: ficar de fora. Mas eles se intrometeram e ajudaram a eleição de Daniel Ortega. Depois que o erro foi cometido, Rice e Shannon conseguiram retomar o controle.

FOLHA - Qual a motivação dessa política? Os EUA já têm problemas demais no mundo e não querem acumular mais um?
DOMÍNGUEZ
- Acho que é uma decisão de não cometer mais erros como os que vinham sendo cometidos e que tiveram conseqüências ruins. Não é que existam muitos ganhos com a nova política. Não são ventos fortes, mudanças grandes, mas estão reduzindo os prejuízos e isso já é um progresso.

FOLHA - Em relação a Cuba, o senhor diz que houve, no governo Bush, uma aproximação entre autoridades cubanas e americanas. Mas a especialista Julia Sweig, num número recente da "Foreign Affairs", diz que, se Fidel Castro morresse hoje, os EUA não teriam para quem ligar em Cuba...
DOMÍNGUEZ
- É verdade. Os diplomatas americanos estão isolados, não têm nenhuma influência em Cuba, os dois governos prestam muito pouca atenção um ao outro. Mas em questões práticas importantes trabalham bem juntos.
Os Estados Unidos são hoje o principal fornecedor de produtos agrícolas para Cuba. Oficiais militares dos Estados Unidos e de Cuba se encontram freqüentemente, profissionalmente, na base americana em Guantánamo. As guardas costeiras dos dois países operam juntas no estreito da Flórida em relação à imigração. Cuba é o único país que fez um acordo de imigração com os Estados Unidos satisfatório para os dois países. É uma lista longa.
Eles dizem em público coisas horríveis um sobre o outro? Sim. Eles têm muito pouca influência um sobre o outro? Sim. Eles têm boas relações pessoais de trabalho? Não. Mas foram capazes de resolver questões importantes? Claro.


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