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ENTREVISTA - JORGE DOMÍNGUEZ
EUA querem uma solução regional para Chávez
Reação a estatização mostra que Washington evita confronto, diz especialista; governo americano estaria preferindo deixar desafetos a cargo de parceiros
OS ESTADOS UNIDOS estão tentando reduzir o prejuízo que tiveram com suas políticas para a América Latina durante o primeiro mandato de George W. Bush e não vão partir para uma confrontação com o venezuelano Hugo Chávez por causa do plano de estatização de companhias telefônicas e elétricas que têm acionistas
americanos.
CLAUDIA ANTUNES
EDITORA DE MUNDO
É o que afirma Jorge Domínguez, pró-reitor para Assuntos
Internacionais de Harvard e
professor de política e economia latino-americanas do Departamento de Governo da universidade, onde também dá aulas sobre as relações entre os
EUA e a América Latina.
Segundo Domínguez, depois
de adotar políticas desastradas
entre 2001 e 2004, o governo
americano tem preferido deixar que seus parceiros na América Latina, principalmente o
Brasil, lidem com potenciais
desafetos dos Estados Unidos
na região, entre eles Chávez e o
boliviano Evo Morales.
Numa palestra na semana
passada em São Paulo, onde visitou o escritório recém-aberto
pelo centro de estudos latino-americanos de Harvard, o especialista listou os erros cometidos pela atual administração
republicana na América Latina.
Alguns deles: o apoio ao golpe
de Estado contra Chávez, em
2002; a decisão de não ajudar a
Argentina durante a crise econômica que levou à moratória,
em 2001; e a campanha contra
o então líder da oposição Evo
Morales durante os distúrbios
que levaram à renúncia do presidente pró-americano Gonzalo Sánchez de Lozada, em 2003.
"Sánchez de Lozada foi à Casa Branca pedir US$ 100 milhões e saiu com uma promessa
de US$ 10 milhões. Depois, o
embaixador fez declarações
contra Morales, que imediatamente subiu nas pesquisas."
Na exposição, Domínguez
destacou as boas relações entre
EUA e Brasil. Citou a "concordância em não persistir na Alca
(Área de Livre Comércio das
Américas)" e a presença militar
brasileira no Haiti, "que liberou
tropas americanas para o Iraque e o Afeganistão". Na Cúpula das Américas de 2005, disse,
o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva hospedou Bush e apareceu como o parceiro "confiável", diante da hostilidade de
Chávez e do argentino Néstor
Kirchner.
Sobre Chávez, o professor
disse ainda que o lado prático
da relação com os EUA é "excelente": a Venezuela mantém o
fluxo de petróleo e é tida como
"boa pagadora" em Wall Street.
Nascido em Cuba, Domínguez diz que "já aconteceu uma
transferência de poder" na ilha,
para uma liderança coletiva.
Ele viu dois sinais positivos: o
fato de Raúl Castro ter ordenado uma inspeção de todos os
serviços públicos - "o consumidor nunca foi prioridade do
regime"- e o discurso dele aos
estudantes pedindo ousadia.
O professor falou à Folha
após a palestra.
FOLHA - O senhor diz que as últimas medidas de Chávez não vão
piorar as relações com os EUA. Os
EUA não podem ser atraídos ao conflito por Chávez?
JORGE DOMÍNGUEZ - O conflito é
importante para Chávez. Mas,
nos últimos dois anos, os níveis
mais altos do governo americano compreenderam que as respostas retóricas dos Estados
Unidos o ajudavam. A equipe
que lida com a América Latina
no Departamento de Estado é
muito melhor hoje, com Thomas Shannon como subsecretário para o Hemisfério Ocidental, do que era no primeiro
mandato de Bush (2001-2004).
O secretário de Imprensa da
Casa Branca disse que a estatização é um problema entre
Chávez e os acionistas das companhias, que eles esperam
compensação e que um Estado
soberano pode nacionalizar,
desde que pague compensação.
Isto é uma tentativa deliberada de dizer: nós na Casa
Branca não vamos entrar numa
disputa de gritos com Chávez,
vamos resistir ao desejo dele de
tornar os Estados Unidos o diabo e vamos deixar que outros lidem com o problema. É uma
estratégia coerente com o que
tem acontecido nos dois últimos anos -e mais inteligente
também.
FOLHA - Os EUA não estão preocupados com a influência de Chávez
em outros países da região?
DOMÍNGUEZ - Claro, o governo
americano está preocupado
com a interferência de Chávez
na política interna de outros
países latino-americanos. Mas,
mesmo nesses casos, o comportamento tem sido semelhante. Veja como o governo
americano lidou com Evo Morales. A embaixada americana
em La Paz congratulou Morales imediatamente depois da
eleição dele, em 2005. Depois, a
secretária de Estado Condoleezza Rice arranjou um encontro com Morales na posse de
Michelle Bachelet, no Chile.
E, mais importante, quando
Morales anunciou a expropriação dos campos de gás, os Estados Unidos decidiram deixar o
Brasil negociar com a Bolívia,
em vez de dizer que era algo
que Chávez inventou, ou que
iriam transformar isso num
problema bilateral. A posição
foi: deixe a Petrobras negociar.
FOLHA - O quanto há de coordenação entre os governos brasileiro e
americano em casos como este?
DOMÍNGUEZ - Isto eu não sei,
mas acho que, mesmo que não
haja nenhuma coordenação, os
Estados Unidos foram espertos
o suficiente para constatar que
os interesses do Brasil e da Petrobras eram inteiramente coerentes com os objetivos dos Estados Unidos. E funcionou.
Morales recuou.
FOLHA - O senhor assinalou a mudança nas posições do Departamento de Estado no segundo mandato
de Bush. O quanto essa mudança é
consensual?
DOMÍNGUEZ - A única área que
eu conheço em que defensores
da velha linha foram capazes de
dominar a política americana
na América Latina desde que
Condoleezza Rice assumiu foi
na eleição presidencial na Nicarágua, no ano passado. O que os
Estados Unidos deveriam ter
feito na ocasião foi o mesmo
que fizeram na Bolívia em
2005: ficar de fora. Mas eles se
intrometeram e ajudaram a
eleição de Daniel Ortega. Depois que o erro foi cometido,
Rice e Shannon conseguiram
retomar o controle.
FOLHA - Qual a motivação dessa
política? Os EUA já têm problemas
demais no mundo e não querem
acumular mais um?
DOMÍNGUEZ - Acho que é uma
decisão de não cometer mais
erros como os que vinham sendo cometidos e que tiveram
conseqüências ruins. Não é que
existam muitos ganhos com a
nova política. Não são ventos
fortes, mudanças grandes, mas
estão reduzindo os prejuízos e
isso já é um progresso.
FOLHA - Em relação a Cuba, o senhor diz que houve, no governo
Bush, uma aproximação entre autoridades cubanas e americanas. Mas
a especialista Julia Sweig, num número recente da "Foreign Affairs",
diz que, se Fidel Castro morresse hoje, os EUA não teriam para quem ligar em Cuba...
DOMÍNGUEZ - É verdade. Os diplomatas americanos estão isolados, não têm nenhuma influência em Cuba, os dois governos prestam muito pouca
atenção um ao outro. Mas em
questões práticas importantes
trabalham bem juntos.
Os Estados Unidos são hoje o
principal fornecedor de produtos agrícolas para Cuba. Oficiais militares dos Estados Unidos e de Cuba se encontram
freqüentemente, profissionalmente, na base americana em
Guantánamo. As guardas costeiras dos dois países operam
juntas no estreito da Flórida
em relação à imigração. Cuba é
o único país que fez um acordo
de imigração com os Estados
Unidos satisfatório para os dois
países. É uma lista longa.
Eles dizem em público coisas
horríveis um sobre o outro?
Sim. Eles têm muito pouca influência um sobre o outro? Sim.
Eles têm boas relações pessoais
de trabalho? Não. Mas foram
capazes de resolver questões
importantes? Claro.
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