São Paulo, sábado, 14 de fevereiro de 2009

Texto Anterior | Índice

Sri Lanka confina minoria tâmil em campos

Governo cerca rebeldes separatistas após 26 anos de guerra civil; tâmil se mata na ONU em protesto contra "genocídio"

32 mil flagelados da guerra estão em campos militares; governo planeja manter 200 mil cercados para investigar ligação com o Tigres Tâmeis

CLARA FAGUNDES
DA REDAÇÃO

O Sri Lanka divulgou planos para confinar cerca de 200 mil civis tâmeis, moradores do último reduto rebelde no noroeste do país, após o fim da guerra civil. Cidadãos do Sri Lanka, eles terão de permanecer em "vilas" controladas por militares, até serem investigados e liberados pelo Exército se não tiverem laços com o Tigres de Libertação do Tâmil Eelam (TLTE).
Os 32 mil civis que escaparam da linha de frente estão retidos em campos controlados pelo Exército. O governo afirmara que os tâmeis ficariam em "vilas" por dois ou três anos. Sob pressão da ONU, prevê agora que 80% sejam reassentados ainda em 2009.
"É urgente liberar os deslocados pela guerra", disse à Folha o diretor da Human Rights Watch na Ásia, Brian Adam. O conflito entre a maioria cingalesa, hegemônica no governo, e rebeldes tâmeis já matou mais de 70 mil desde 1983.
Cercados por 50 mil militares e reduzidos a cerca de 2.000 combatentes exaustos, os rebeldes descartam a rendição. Mas na capital Colombo, a população festeja o que o governo anuncia desde janeiro como ofensiva final contra os Tigres Tâmeis, responsáveis por centenas de atentados suicidas.
"Estão empurrando os Tigres Tâmeis para a selva. Mas isso tornará o Sri Lanka mais seguro?", questiona Adam, lembrando que o grupo pode continuar a realizar atentados na clandestinidade. Para o analista, há risco de acirramento do radicalismo tâmil com a adoção de medidas discriminatórias.
Um homem ateou fogo ao próprio corpo ontem, em frente à sede da ONU em Genebra, em protesto contra a ofensiva militar cingalesa, classificada como "genocídio" pelos tâmeis. Há duas semanas, tâmeis se reúnem em frente ao prédio para cobrar uma intervenção.

Radicalização
A radicalização atinge também cingaleses étnicos, majoritários. A sede do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) em Colombo foi apedrejada na semana passada, após apelos do órgão pelo fim dos bombardeios a hospitais.
"Felizmente, ninguém ficou ferido", disse Sarasi Wijeratne, do CIVC, que preferiu não comentar a política de confinamento ou a autoria dos ataques aéreos. "Queremos trabalhar com as autoridades", disse à Folha, lembrando a neutralidade histórica da organização.
A ONU denunciou o bombardeio de um hospital improvisado para tratar civis em Putumattalan, declarada "zona neutra" pelo governo. Em Puthukkudiyiruppu, um hospital controlado por rebeldes foi bombardeado repetidas vezes.
O conflito entre tâmeis e cingaleses no Sri Lanka radicalizou-se na década de 1970, mas remete à independência do jugo britânico, em 1948, que acirrou o nacionalismo cingalês. O antigo Ceilão, pouco maior que a Paraíba, é habitado por cingaleses (74%), tâmeis e moors (muçulmanos descendentes de árabes e tâmeis).
Na década de 1950, o cingalês tornou-se língua oficial, restringindo o acesso de minorias ao serviço público e à educação superior. A homogeneização cultural imposta pela Constituição nacionalista de 1972, que dava prioridade ao budismo (religião da maioria cingalesa), agravou as tensões étnicas.
A discriminação fomentou a criação de 30 grupos armados tâmeis. Nenhum, porém, alcançou a notoriedade do TLTE. Fundado em 1976 por Velupillai Prabhakaran, 21 anos, o grupo é o principal herdeiro do movimento de "tigres tâmeis", levante juvenil contra a Carta de 1972. A revolta marcou a ruptura com a resistência pacífica, adotada até então pelos líderes tâmeis da ilha.
Pioneiros em ataques com homens-bomba, os Tigres Tâmeis declararam guerra ao Estado cingalês em 1983, resistiram a tropas indianas de 1988 a 1991 e funcionavam com um Estado paralelo no noroeste da ilha, com Exército, Marinha e sistema judiciário próprios.
O TLTE foi legalizado em 2002, com um cessar-fogo mediado pela Noruega prevendo progressiva autonomia para as regiões tâmeis, sem partição da ilha. Desrespeitado desde 2006, o acordo foi revogado no ano passado pelo presidente Mahinda Rajapaksa, que lançou ofensiva contra o grupo.

Com agências internacionais


Texto Anterior: Guerra sem limites: Mulher-bomba mata 40 em rota de peregrinos no Iraque
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.