São Paulo, Domingo, 14 de Fevereiro de 1999
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O ÂNCORA VETERANO
Cobertura do impeachment teve pouca análise, diz
Cronkite faz crítica ao jornalismo americano

Reuters - 13.mar.97
Walter Cronkite participa de encontro de jornalistas em Washington


MARCELO DIEGO
de Nova York

Aos 82 anos, Walter Cronkite, o "homem mais confiável da América", é praticamente sinônimo de jornalismo nos EUA.
Desde que começou sua carreira jornalística, em 37, Cronkite foi testemunha de fatos históricos, principalmente nos EUA.
Cobriu, por exemplo, o escândalo de Watergate, que provocou a renúncia do presidente Richard Nixon, em 1974.
Aposentado desde 1981, Cronkite ainda mantém um escritório na sede da CBS em Nova York, onde recebeu a Folha, um canal de TV norte-americano e quatro estudantes da Universidade de Nova York, na última quarta-feira.
Apesar de não ter participado diretamente da cobertura do impeachment do presidente Bill Clinton, Cronkite foi espectador atento e teceu uma série de comentários a respeito do processo de impeachment que terminou com a absolvição do presidente.

Folha - Qual sua opinião sobre o presidente Bill Clinton?
Walter Cronkite -
Não tive a oportunidade de conhecer Clinton tão bem quanto conheci outros presidentes. Com os outros, eu era um pouco mais ativo do que nos últimos quatro anos.
Mas eu fiz uma entrevista exclusiva com ele, saímos para velejar e conversamos algumas vezes. E eu o vejo em ação, acompanho seus atos como presidente.
Fiquei bem impressionado com sua inteligência e acredito que ele tem uma boa idéia de qual é o caminho que o país deve seguir.
Eu acho que ele está enfrentando alguns problemas para adaptar sua visão dos problemas da América com a prática que se exige de um político.
Folha - O que o senhor achou do processo de impeachment?
Cronkite -
Deixe-me dizer uma coisa: quando Robert Kennedy era pré-candidato a presidente, eu o estava acompanhando, junto com outros colegas, em um vôo para a Califórnia. Não sei o que aconteceu, se ele tinha bebido um pouco, mas ele ficou descontrolado.
As comissárias de bordo tentaram segurá-lo e conseguiram que ele dormisse. Nem eu nem meus colegas comentamos o que aconteceu no vôo. Por quê? Porque não nos dizia respeito. Há um ditado que diz que um político deve responder às perguntas sobre sua vida pessoal com a frase "não é de sua maldita conta".
Eu acho que o coração de Clinton está com boas intenções, e ele tem feito um bom trabalho. Você olha o meio industrial, econômico e só vê elogios para o governo.
A discussão de seu impeachment foi baseada mais em características políticas do que em transgressões verdadeiras.
Folha - O senhor participou ativamente da cobertura do Watergate. Não vê semelhanças entre as duas situações?
Cronkite -
Para começar, quero dizer que achava que Nixon tinha problemas psicológicos. Não digo psiquiátricos, mas psicológicos. Da mesma forma o considerava uma pessoa corajosa, por tomar medidas como procurar uma aproximação com a China.
Ele caiu porque tentou roubar uma eleição, frustrou a confiança das pessoas, esse foi o pecado de Watergate. O pecado de Clinton é particular. O de Nixon virou tema público.
Folha - Como o senhor analisa o papel da mídia na cobertura do impeachment de Clinton?
Cronkite -
Na noite anterior à renúncia de Nixon, quando todo o ambiente político estava como uma onda, eu passei 14 minutos, ao vivo, em frente às câmeras, tentando explicar para o povo o que estava acontecendo. Eu acho que faltou isso, agora. Está tudo tão ágil, tão moderno, que as pessoas têm a falsa impressão que estão bem informadas. Mas o que elas querem é que alguém sente com elas e explique o que significam aquelas informações todas.
Folha - O senhor acha que a mídia foi sensacionalista?
Cronkite -
Não entendo o que significa sensacionalismo para você. Estávamos discutindo o futuro da Presidência, e a função do repórter, nesta situação, é tentar levar informações que façam sentido ao seu espectador.
Eu acho que a imprensa agiu com ética na maior parte das vezes. Acho que violamos a ética tanto quanto os médicos e os advogados também violam (risos).
Eu me preocupo em ver o futuro dos veículos de comunicação. Para um jornalismo independente, é preciso ter uma empresa independente para te apoiar.


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