São Paulo, Domingo, 14 de Março de 1999
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"LORDES DE MOSCOU"
Grupo é formado por pequenos empresários que seguem as idéias da ex-primeira-ministra britânica
Russos fundam partido thatcherista

LUIS MATÍAS LÓPEZ
do "El País", em Moscou

A Câmara dos Lordes corre o risco de virar passado no Reino Unido, mas pode ressuscitar na principal República da ex-União Soviética, a Rússia.
Essa, pelo menos, é uma das propostas apresentadas no manifesto de uma nova formação política que se apresentou em Moscou, depois de fazer o mesmo em outro cidade, em São Petersburgo.
O Partido Conservador-Thatcherista da Rússia resolveu empreender a missão impossível de chegar ao poder seguindo a ideologia que a chamada "Dama de Ferro", Margaret Thatcher, aplicou em seu país até ser "traída e destituída do poder por confiar nas pessoas". Para o grupo de pequenos empresários que procurava promover o novo partido, a doutrina da baronesa Thatcher é uma fórmula mágica, o remédio universal que poderá curar todos os males que afligem a Rússia.
O novo partido, seguindo o thatcherismo, seria a luz de esperança para os deserdados, a defesa contra o comunismo e a melhor garantia para o liberalismo econômico.
Sergei Tarutin, dirigente do novo partido na região de Moscou, confessou que ficou estarrecido ao visitar o Reino Unido em 1992 e observar as lojas repletas de bens de consumo, num contraste marcante com as prateleiras vazias das cidades da Rússia.
"Na época, não entendi qual era a razão dessa disparidade", confessou, emocionado, "mas depois compreendi que era fruto do trabalho de Margaret Thatcher."
Tarutin apresenta a figura de sir Alfred Sherman como o Engels do thatcherismo, porque, ao que parece, Sherman, ao lado de lorde Keith Joseph e da própria "Dama de Ferro", foi quem fundou o Centro de Estudos Políticos, que formulou e lançou a ideologia colocada em prática pela ex-primeira-ministra britânica.
Esse senhor de aspecto pacífico declara que "a Rússia pode beneficiar-se do estudo da carreira e do legado políticos da baronesa Thatcher". Ele garante que "todos os socialistas e todos os russos podem ser conservadores".
Minutos mais tarde, Ruslan Fedorovski, um dos fundadores do novo partido, deixa claro: "Não somos comunistas conservadores, mas capitalistas conservadores". Fedorovski não explica a origem dos recursos do partido, mas dá a entender que foram contribuídos pelos "mais de mil simpatizantes ativos" que o partido tem espalhados pela Rússia.
Por enquanto, o partido ainda não tem líder e não informa quem vai encabeçar sua chapa para as eleições legislativas de dezembro, nem quem será seu candidato à Presidência.
Para seus militantes, essas definições só virão mais tarde. Por enquanto, eles se contentariam em ser levados a sério.
Isso não será fácil. Todos seus dirigentes vestiam ternos azuis escuros e ostentavam uma insígnia na lapela. Os seguranças usavam uniformes também azuis, semelhantes aos de marinheiros, como se tivessem acabado de fugir de um navio da frota do mar Negro.
No evento de apresentação do partido em São Petersburgo, um militante do grupo ultranacionalista de Vladimir Jirinovski interrompeu os trabalhos, gritando que o partido thatcherista vai nascer e morrer no mesmo dia e que a Rússia deve rejeitar a civilização ocidental.
Um dos oradores de São Petersburgo pôs o dedo na ferida (pelo menos em sua própria avaliação): "As pessoas dizem que não aceitam idéias do exterior, mas consomem tudo que é estrangeiro, desde carros até alimentos. Seria muito melhor fazer bom uso das idéias que vêm de fora e não comer as sobras da mesa alheia".
Por enquanto, pelo menos, a própria Margaret Thatcher prefere conservar-se à margem da iniciativa, com o argumento de que não quer intervir nos assuntos internos da Rússia, embora, segundo os promotores do novo partido, veja com agrado qualquer tentativa de propagar sua ideologia.
No manifesto, as origens dessa ideologia são identificadas em fontes tão diversas quanto David Hume e Adam Smith, por um lado, e o taoísmo, por outro.
O documento defende a democracia parlamentar, as privatizações e a redução de impostos. Quanto à Câmara dos Lordes, ela não seria eleita, teria poder limitado de veto às decisões tomadas pela Duma (câmara baixa do Parlamento) e seria composta por três tipos de membros: vitalícios, hereditários e proprietários de terras.
No final do evento, Lev Uboshka, que se apresenta como presidente do Partido Conservador (uma outra agremiação política), se levantou, furioso, e afirmou que querem roubar aquilo que lhe deu tanto trabalho fundar. Sem baixar o tom de voz, propõe a união de todos os conservadores para refrear o comunismo. Se isso não for feito, afirma, "a Rússia estará perdida".
Outro participante conta: "Passei um ano procurando um partido conservador e agora dou de cara com dois!" Um terceiro grita: "Não nos deixam falar, não nos deixam falar!"
Todos se calam diante da música em alto volume e da repetição de um dos slogans dos thatcheristas russos: "Os russos não são ladrões, escravos ou bêbados". Nesse momento chega o bufê, e os ânimos se acalmam.
A Rússia atravessa uma de suas piores crises desde a desintegração da URSS, em 91. No ano passado, o país mergulhou numa crise modelada pela instabilidade política, cambial e no mercado de ações.


Tradução de Clara Allain


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