São Paulo, domingo, 14 de abril de 2002

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GOLPE NA VENEZUELA

Carmona renuncia e vice de Chávez assume

Reuters
Defensores do presidente deposto, Hugo Chávez, falam com soldados na grade do palácio presidencial de Miraflores, em Caracas



Diosdado Cabello diz que ficará no cargo só até volta de Chávez



Racha entre líderes militares golpistas provocou a reviravolta



Exército havia exigido volta do Legislativo e exílio de Chávez


MARCIO AITH
ENVIADO ESPECIAL A CARACAS

Apenas um dia após assumir a Presidência provisória da Venezuela, após o golpe militar que derrubou Hugo Chávez, o líder empresarial Pedro Carmona renunciou ao cargo após sofrer pressões por parte dos militares.
Houve um racha entre os líderes militares golpistas, ações de grupos leais a Chávez e conflitos de rua que colocaram o país numa espécie de limbo político e institucional. Rodeado por milhares de manifestantes pró-Chávez, o palácio presidencial de Miraflores, em Caracas, foi tomado por tropas leais ao ex-mandatário. Seu vice, Diosdado Cabello, foi empossado na Presidência, como previa a Constituição de 1999 em caso de renúncia do titular.
Descontentes com a dissolução da Assembléia Nacional e com a violação de um acordo para que Chávez e sua família pudessem exilar-se em outro país, alguns líderes militares que haviam promovido o golpe passaram a questionar os rumos e a própria existência do novo governo.
Refugiado no Forte Tiuna, principal quartel militar de Caracas, Carmona havia anunciado à tarde que reconvocaria o Legislativo, dissolvido por ele mesmo no dia anterior, e que Chávez poderia sair do país, atendendo a reivindicações expostas pelo comandante do Exército, Efraín Vásquez. Carmona havia deixado o palácio à tarde, quando milhares de manifestantes pró-Chávez começaram a se postar em frente ao local.
De acordo com o prefeito de Caracas, Alfredo Peña, pelo menos nove pessoas teriam morrido em confrontos nas manifestações.
Chávez, que havia sido levado ao Forte Tiuna após ser destituído do poder, foi transferido pelo governo provisório a uma base naval a 100 km da capital por causa das manifestações. Ele não aparecia em público desde sua deposição, o que gerou boatos entre os manifestantes chavistas de que ele poderia ter sido assassinado.
O ministro da Educação Superior do governo deposto afirmou que as forças leais a Chávez exigiam de seus "captores" que o libertassem até as 2h de hoje (3h em Brasília). Cabello, após assumir, disse em comunicado pelo rádio que ficaria no cargo somente até a volta de Chávez.
As declarações de Carmona reconvocando o legislativo e admitindo uma "revisão" do decreto que o colocou no poder haviam sido feitas logo após o comandante do Exército, Efraín Vásquez, ter afirmado que o processo de destituição de Chávez teve "erros", anunciando que só apoiaria o novo governo se fossem cumpridas "algumas exigências". Entre as exigências estava a restituição da Assembléia Nacional e do Supremo Tribunal, o respeito à Constituição de 1999 e o envio imediato de Chávez ao exterior.
A OEA (Organização dos Estados Americanos) havia anunciado a convocação de sua assembléia geral para decidir se invocaria a Carta Democrática, dispositivo que prevê a exclusão de um país que tenha rompido a ordem constitucional. O secretário-geral da organização, César Gaviria, deve chegar hoje a Caracas.
A situação se agravou após o comandante da Brigada de Paraquedistas de Maracay, 80 km a oeste de Caracas, se rebelar contra o governo provisório e se aquartelar junto a vários altos oficiais.
O analista Emilio Figueredo Planchart disse à Folha que a rebelião não foi necessariamente em apoio a Chávez, mas sim um protesto contra a forma encontrada para substituí-lo. "Havia um acordo para que Chávez renunciasse dignamente num discurso à Assembléia Nacional. Alguns militares mais à direita acharam que seria possível ir mais longe."
A mulher de Chávez, Marisabel Rodriguez de Chávez, negou que o marido tivesse renunciado e fez um apelo à comunidade internacional para que denuncie Carmona como golpista. Numa entrevista à CNN em espanhol, Marisabel disse que seu marido havia concordado em renunciar em um discurso à Assembléia Nacional, mas que "ela foi dissolvida".
Ela pediu a presidentes de outros países, principalmente dos EUA, que a ajudem. "O presidente Bush disse que não aceitaria um golpe na Venezuela, e o que está acontecendo é um golpe militar."
O governo provisório tinha claro perfil conservador. Apenas dois ministros são de partidos políticos. O das Finanças, Leopoldo Martíne, é do novo partido Primeiro Justiça, formado por jovens profissionais de centro direita, com reduto eleitoral no bairro de classe média alta de Chacao, em Caracas. Já o chanceler José Rodríguez Iturbe é ex-deputado do conservador partido democrata-cristão Copei. Sua indicação confirma a tese de que a política externa do país irá novamente se aliar a Washington, após o afastamento durante a era chavista.


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