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São Paulo, segunda-feira, 14 de abril de 2003

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SEM GOVERNO

EUA tentam organizar vida de Bagdá

Exército americano reúne milhares de voluntários iraquianos dispostos a trabalhar

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A BAGDÁ

Depois de quatro dias de inação, o comando do Exército norte-americano na capital iraquiana começou ontem a tentar organizar a vida da cidade, tomada pelo caos dos saques, pela falta de água, luz e telefone e pela ausência de qualquer tipo de comando desde a queda do regime do ex-ditador Saddam Hussein na cidade, na última quarta-feira.
Ontem, respondendo a apelos feitos no sábado pelos militares na recém-inaugurada rádio da coalizão anglo-americana, milhares de voluntários iraquianos se reuniram num clube central para se oferecer para trabalhar.
De todas as partes vieram ex-policiais, principalmente, mas também empregados de prestadoras de serviços públicos essenciais, como a companhia de eletricidade, de água, esgoto e as telefônicas, estas últimas destruídas por mísseis da própria coalizão.
Faziam fila ainda para dar nome e endereço médicos e enfermeiras, que só agora tiveram coragem de sair de casa, onde estavam escondidos primeiro das bombas, depois dos saques.
O encontro foi considerado pelos envolvidos como o ponto zero da reconstrução da cidade. "Os assuntos civis serão nossa prioridade", disse o capitão Joseph Plenzler, dos marines. "Vamos controlar as ruas, acabar com os roubos e garantir a segurança para que a população volte ao trabalho", completou o general Mohammed Ahmed, ex-comandante da polícia que agora trabalhará com um preposto americano.
A primeira reunião aconteceu no Al Wiyah, clube localizado no centro de Bagdá que antes da guerra reunia a elite da cidade -pessoas ligadas a Saddam Hussein ou sua família, membros do comando do Partido Baath e a reduzida classe alta bagdali.
"Eu nunca pude pisar aqui, agora estou procurando emprego, não é irônico?", perguntava Farid Ismail, ex-guia turístico que se ofereceu para policiar as ruas. "Será que vão pagar em dólar?".
Sim, segundo o comando militar instalado no Hotel Palestine. Serão US$ 10 por dia, um avanço considerável se comparado ao salário médio sob Saddam, que era de cerca de US$ 30 por mês.
No sábado, o Exército norte-americano havia finalmente concordado em deslocar seus soldados para a proteção de reservatórios de água e dos dois principais hospitais -todas as 33 casas de saúde de Bagdá sofreram algum tipo de saque nos últimos dias.
Além disso, tanques e carros-tanques começaram na mesma noite a fazer ronda com ajuda de helicópteros em regiões cuja ação dos pilhadores era mais intensa, como o centro. Foram recebidos a gritos de "Todas as noites! Todas as noites!" por moradores.
Nos bairros de classe média, como Al Mansur, estes se organizaram e formaram barricadas nas ruas, vigiadas por homens armados de fuzis, na verdade pais de família que se revezam na função.
Ontem ainda, aproveitando a influência que têm sobre a população de maioria islâmica, os imãs convocaram os fiéis nas rezas a devolver o que roubaram. O resultado é que muitas mesquitas começaram a receber de cadeiras a eletrodomésticos, passando por obras de arte e carros.
Sentindo que o clima começa a mudar, milhares de bagdalis aproveitaram o domingo para voltar à cidade -estima-se que pelo menos 1 milhão dos 5 milhões de habitantes haviam deixado Bagdá no começo da guerra.
O resultado foi um congestionamento nas estradas de pelo menos 20 quilômetros a partir dos postos de checagem norte-americanos, que revistavam, carro por carro. Além disso, parte do comércio voltou a funcionar, ainda que muito timidamente.

Protestos
Mesmo com a presença mais intensa dos marines nas ruas, o dia também foi marcado por protestos. Reunidos na praça Al Firdus, a mesma em que uma estátua de Saddam Hussein foi derrubada na quarta, em imagem transmitida no mundo inteiro, centenas de iraquianos gritavam slogans e carregavam cartazes anti-EUA.
"George W. Bush = Saddam Hussein", dizia um deles. "Os saqueadores são na verdade espiões trazidos pelos EUA para nos desestabilizar", teorizava o professor Shakir Aziz.

Mais saques e violência
Apesar dos esforços, nem a guerra nem os saques cessaram no fim-de-semana. Os pontos atingidos ontem pela pilhagem foram as sedes dos ministérios do Planejamento e das Relações Exteriores, deixados queimando pelos que invadiram os locais.
No começo do dia, quatro soldados norte-americanos haviam sido feridos por franco-atiradores no sul da cidade.
Na madrugada de hoje (fim da tarde de ontem em Brasília), marines dos EUA estacionados na entrada do Hotel Palestine trocaram tiros com membros não-identificados da resistência iraquiana.
Os tiros cessaram após a prisão dois homens, mas os marines continuavam suas buscas nos prédios vizinhos por outros eventuais atiradores.


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