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SEM GOVERNO
EUA tentam organizar vida de Bagdá
Exército americano reúne milhares de voluntários iraquianos dispostos a trabalhar
SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A BAGDÁ
Depois de quatro dias de inação, o comando do Exército norte-americano na capital iraquiana
começou ontem a tentar organizar a vida da cidade, tomada pelo
caos dos saques, pela falta de
água, luz e telefone e pela ausência
de qualquer tipo de comando desde a queda do regime do ex-ditador Saddam Hussein na cidade,
na última quarta-feira.
Ontem, respondendo a apelos
feitos no sábado pelos militares
na recém-inaugurada rádio da
coalizão anglo-americana, milhares de voluntários iraquianos se
reuniram num clube central para
se oferecer para trabalhar.
De todas as partes vieram ex-policiais, principalmente, mas
também empregados de prestadoras de serviços públicos essenciais, como a companhia de eletricidade, de água, esgoto e as telefônicas, estas últimas destruídas por
mísseis da própria coalizão.
Faziam fila ainda para dar nome
e endereço médicos e enfermeiras, que só agora tiveram coragem
de sair de casa, onde estavam escondidos primeiro das bombas,
depois dos saques.
O encontro foi considerado pelos envolvidos como o ponto zero
da reconstrução da cidade. "Os
assuntos civis serão nossa prioridade", disse o capitão Joseph
Plenzler, dos marines. "Vamos
controlar as ruas, acabar com os
roubos e garantir a segurança para que a população volte ao trabalho", completou o general Mohammed Ahmed, ex-comandante da polícia que agora trabalhará
com um preposto americano.
A primeira reunião aconteceu
no Al Wiyah, clube localizado no
centro de Bagdá que antes da
guerra reunia a elite da cidade
-pessoas ligadas a Saddam Hussein ou sua família, membros do
comando do Partido Baath e a reduzida classe alta bagdali.
"Eu nunca pude pisar aqui, agora estou procurando emprego,
não é irônico?", perguntava Farid
Ismail, ex-guia turístico que se
ofereceu para policiar as ruas.
"Será que vão pagar em dólar?".
Sim, segundo o comando militar instalado no Hotel Palestine.
Serão US$ 10 por dia, um avanço
considerável se comparado ao salário médio sob Saddam, que era
de cerca de US$ 30 por mês.
No sábado, o Exército norte-americano havia finalmente concordado em deslocar seus soldados para a proteção de reservatórios de água e dos dois principais
hospitais -todas as 33 casas de
saúde de Bagdá sofreram algum
tipo de saque nos últimos dias.
Além disso, tanques e carros-tanques começaram na mesma
noite a fazer ronda com ajuda de
helicópteros em regiões cuja ação
dos pilhadores era mais intensa,
como o centro. Foram recebidos a
gritos de "Todas as noites! Todas
as noites!" por moradores.
Nos bairros de classe média, como Al Mansur, estes se organizaram e formaram barricadas nas
ruas, vigiadas por homens armados de fuzis, na verdade pais de família que se revezam na função.
Ontem ainda, aproveitando a
influência que têm sobre a população de maioria islâmica, os imãs
convocaram os fiéis nas rezas a
devolver o que roubaram. O resultado é que muitas mesquitas
começaram a receber de cadeiras
a eletrodomésticos, passando por
obras de arte e carros.
Sentindo que o clima começa a
mudar, milhares de bagdalis
aproveitaram o domingo para
voltar à cidade -estima-se que
pelo menos 1 milhão dos 5 milhões de habitantes haviam deixado Bagdá no começo da guerra.
O resultado foi um congestionamento nas estradas de pelo menos 20 quilômetros a partir dos
postos de checagem norte-americanos, que revistavam, carro por
carro. Além disso, parte do comércio voltou a funcionar, ainda
que muito timidamente.
Protestos
Mesmo com a presença mais intensa dos marines nas ruas, o dia
também foi marcado por protestos. Reunidos na praça Al Firdus,
a mesma em que uma estátua de
Saddam Hussein foi derrubada
na quarta, em imagem transmitida no mundo inteiro, centenas de
iraquianos gritavam slogans e
carregavam cartazes anti-EUA.
"George W. Bush = Saddam
Hussein", dizia um deles. "Os saqueadores são na verdade espiões
trazidos pelos EUA para nos desestabilizar", teorizava o professor Shakir Aziz.
Mais saques e violência
Apesar dos esforços, nem a
guerra nem os saques cessaram
no fim-de-semana. Os pontos
atingidos ontem pela pilhagem
foram as sedes dos ministérios do
Planejamento e das Relações Exteriores, deixados queimando pelos que invadiram os locais.
No começo do dia, quatro soldados norte-americanos haviam
sido feridos por franco-atiradores
no sul da cidade.
Na madrugada de hoje (fim da
tarde de ontem em Brasília), marines dos EUA estacionados na
entrada do Hotel Palestine trocaram tiros com membros não-identificados da resistência iraquiana.
Os tiros cessaram após a prisão
dois homens, mas os marines
continuavam suas buscas nos
prédios vizinhos por outros eventuais atiradores.
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