São Paulo, terça-feira, 14 de maio de 2002

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ANÁLISE

Washington ganha mais que Moscou

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Em tese, o novo tratado de redução de armas nucleares é importante porque demonstra que os EUA e a Rússia podem debater temas sensíveis e chegar a um acordo. Ainda em tese, é histórico porque prevê um significativo corte nos respectivos arsenais.
Contudo, tal qual foi anunciado ontem, ele dá aos EUA quase todas as regalias que Washington exigia para firmar um tratado de redução de armamentos nucleares e à Rússia apenas o documento formal em si -uma exigência de Moscou após o anúncio dos EUA, feito em dezembro último, de que abandonariam o Tratado Antimísseis Balísticos (TAB, 1972) em seis meses-, de acordo com analistas ouvidos pela Folha.
"Trata-se de uma situação complexa, pois, aparentemente, os russos conseguiram somente a assinatura de um tratado formal. Já o restante do que foi anunciado favorece a postura do governo dos EUA", apontou Ivo Daalder, do Instituto Brookings (EUA).
"Não creio que o texto final venha a corresponder a tudo o que foi acordado entre os dois países no âmbito da geostratégia. Afinal, o tratado anunciado só consolida a postura de Washington nessa área", declarou Ole Holsti, da Universidade Duke (EUA).
Segundo ele, Moscou deve ter obtido outras vantagens ao concordar em assinar um acordo que, de modo informal, implica sua anuência ao fim do TAB e à construção do escudo antimísseis dos EUA. "É verdade que, com esse acordo, poderá haver verificação bilateral dos cortes feitos, porém isso não seria suficiente para que os russos mudassem de opinião."
Para ambos os analistas, entre outros pontos, Washington pode ter-se comprometido a ajudar a financiar a redução do arsenal russo e a permitir que Moscou tenha um papel mais relevante dentro da Otan embora não faça parte da aliança militar ocidental.
"Nada garante que os EUA venham a respeitar o tratado, pois Washington já mostrou que pode abandonar acordos internacionais a qualquer momento, como fez com o TAB. Mesmo assim, para que os russos aceitassem esse tratado, é certo que o governo dos EUA teve de oferecer mais do que o texto formal", explicou Daalder.
"Desmontar ogivas custa caro. Destruí-las ou estocá-las também -isso por tempo indeterminado. Ademais, amanhã [hoje], ocorrerá uma reunião da Otan que dará a Moscou um papel mais importante dentro da aliança. Sem dúvida, essa "vitória" russa tem a ver com o novo acordo", disse Holsti.
De acordo com ele, resta agora esperar que Washington esvazie a Otan no que se refere a ações militares, "visto que os EUA jamais permitirão que os russos influenciem suas decisões nessa área".



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