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AMÉRICA LATINA
Em entrevista de cem horas, líder cubano afirma que país deve corrigir erros para preservar processo da revolução
Cuba tem de mudar para sobreviver, diz Fidel
Adalberto Roque-1.mai.2006/France Presse
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Fidel discursa durante festa do Dia do Trabalho em Havana |
IGNACIO RAMONET
DA IPS, EM HAVANA
Cuba busca uma transformação
para sobreviver. Quem afirma é
Fidel Castro. "Os ianques não podem destruir o processo revolucionário, pois nossa população
aprendeu a portar armas. Mas este país pode se autodestruir se não
formos capazes de corrigir nossos
erros", diz o ditador, no poder
desde 1959.
O alerta foi feito durante uma
série de cem horas de entrevista a
Ignacio Ramonet, editor do "Le
Monde Diplomatique", cujo resultado é o livro "Fidel Castro Autobiografia a Dos Voces". Nas 569
páginas, o líder cubano, que tem
quase 80 anos, também fala de sua
sucessão e afirma não acreditar
que Cuba seguirá o caminho da
União Soviética, embora reconheça as ameaças que enfrenta.
A primeira edição do livro de
Ramonet em espanhol esgotou
em 15 dias, e o lançamento em
mais nove línguas está previsto
para breve. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Pergunta - Se, por alguma razão,
o senhor desaparecer, seu irmão
Raúl será seu sucessor indiscutível?
Fidel Castro- Se algo me acontecer amanhã, sem dúvida alguma a
Assembléia Nacional se reunirá e
o elegerá. Mas Raúl já está me alcançando em anos, o que significa
que o problema diz respeito a
uma geração. Temos tido sorte na
medida em que os indivíduos que
fizeram a revolução abrangeram
três gerações. O mesmo se deu
com aqueles que nos antecederam, os velhos militantes e líderes
do Partido Socialista Popular, para os quais nós éramos a nova geração. Então houve aqueles que
vieram imediatamente depois de
nós, que fizeram parte da campanha de alfabetização, da luta contra o banditismo, contra o bloqueio e contra o terrorismo, da luta em Girón, da crise dos "mísseis" de 1962, das missões internacionalistas... Muitas pessoas de
mérito tremendo. E muitos cientistas, técnicos, heróis do trabalho, intelectuais, professores. O
país tem grande abundância de
talento. Acrescente-se a isso a nova geração, estudantes universitários e trabalhadores sociais, com
os quais há relações estreitas.
Pergunta - O senhor está dizendo
que pensa que seu verdadeiro
substituto, em lugar de ser uma
pessoa, Raúl, será uma geração?
Fidel - Sim. Tenho confiança,
sempre disse isso. Mas estamos
conscientes de que há muitas
ameaças a um processo revolucionário. Existem erros de natureza subjetiva. Houve erros, e somos responsáveis por não termos
descoberto determinados erros e
tendências. Hoje alguns desses erros já foram superados, outros
ainda estamos combatendo. Tenho muita esperança, pois vejo
que aqueles aos quais chamo a
quarta geração terão três ou quatro vezes os conhecimentos que
nós, da primeira, tínhamos.
Muito mais pessoas virão ver o
desenvolvimento social deste país
do que suas praias. Porque nosso
país está fazendo coisas. É um
país pequeno capaz de fornecer o
pessoal de que a ONU precisa para a campanha proposta pelo secretário-geral para erradicar a
Aids na África. A Europa e os
EUA juntos não seriam capazes
de fornecer mil médicos que teriam ido onde nossos médicos foram. Isso propicia certa satisfação
a este país, que já sofreu mais de
40 anos de embargo e dez anos do
"período especial". Ele criou capital humano, e capital humano não
é criado pelo egoísmo, pelo estímulo ao individualismo.
Pergunta - O senhor acha que a
sucessão ocorrerá sem problemas?
Fidel - Não haverá problema nenhum de imediato nem mais tarde. Porque a revolução não se baseia na presença de um grande líder nem no culto a uma personalidade. A revolução se fundamenta em princípios. E as idéias que
defendemos são, há algum tempo, as idéias de todo o povo.
Pergunta - Vejo que o senhor não
está preocupado com o futuro da
Revolução Cubana. Mas, nos últimos anos, o senhor assistiu à queda da União Soviética, da Iugoslávia, à revolução albanesa, à situação lamentável da Coréia do Norte,
ao mergulho do Camboja no horror
e à China, onde a revolução assumiu uma aparência muito diferente. Tudo isso não o angustia?
Fidel - Acho que a experiência
do primeiro Estado socialista, a
URSS, um Estado que deveria haver se corrigido, não se destruído,
foi muito amarga. Não creia por
um segundo que não pensamos
com freqüência sobre esse fenômeno, como uma das maiores potências do planeta, que tinha sido
capaz de contrabalançar a força
da outra superpotência, desabou
da maneira que desabou. Houve
aqueles que acreditaram que podiam construir o socialismo com
métodos capitalistas. Esse foi um
dos grandes erros históricos. Não
quero teorizar, mas eu poderia
oferecer uma infinidade de exemplos de erros daqueles que se consideravam teóricos, saturados até
o âmago dos ossos nos livros de
Marx, Engels, Lênin e os outros.
Um dos nossos maiores erros
no início, e ao longo da revolução,
foi acreditar que havia alguém
que sabia como o socialismo deveria ser construído. Hoje temos
idéias muito claras sobre como o
socialismo deve ser construído,
mas precisamos de muitas idéias
claras sobre como conservá-lo.
A China é outra questão -uma
grande potência que está emergindo, uma grande potência que a
história não destruiu, que manteve certos princípios fundamentais, que buscou a unidade, que
não fragmentou suas forças.
Então posso lhe dizer que,
quando potências enormes como
a URSS e os regimes que você
mencionou e tantas coisas se destruíram, este país bloqueado
compartilha, ajuda e forma milhares de profissionais do Terceiro Mundo em universidades sem
lhes cobrar um centavo, e faz progressos em todos os campos.
Pergunta - Não pode o processo
revolucionário em Cuba desabar
também?
Fidel - Será que as revoluções estão fadadas a cair ou podem os
homens fazer com que desabem?
Ou impedir? Eu já me fiz essa pergunta muitas vezes. E tome nota
do que digo: os ianques não podem destruir este processo revolucionário, pois temos uma população que aprendeu a portar armas; uma população que, apesar
de nossos erros, tem um nível tão
alto de cultura, conhecimento e
consciência que jamais permitirá
que este país volte a ser colônia
dos EUA. Entretanto este país pode se autodestruir. Esta revolução
pode se autodestruir. Nós podemos destruí-la, e seria nossa culpa
-se não formos capazes de corrigir nossos erros, se não conseguirmos pôr fim a muitos maus
hábitos, incluindo o roubo.
Por esta razão estamos agindo,
estamos caminhando em direção
a uma transformação total de
nossa sociedade. Precisamos retornar ao processo de transformação, porque passamos por
tempos muito difíceis, e foram
criadas desigualdades e injustiças.
E precisamos mudar isso, sem cometer o mais mínimo abuso.
Tradução de Clara Allain
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