São Paulo, sexta-feira, 14 de junho de 2002

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RELIGIÃO

Bispos abrem reunião para discutir pedofilia de padres em meio a polêmica sobre indenizações

Doadores criticam acordos da igreja nos EUA

SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK

Muita emoção das vítimas de abuso sexual por parte de padres e uma polêmica sobre o modo como a igreja administra o dinheiro das doações marcaram a abertura, ontem, do encontro anual dos bispos católicos dos EUA, em Dallas (Texas).
O encontro começou oficialmente de manhã, com o presidente da Conferência dos Bispos Católicos fazendo uma declaração histórica: "A crise atual é causada pela profunda perda de confiança em nossa liderança", disse o bispo Wilton Gregory. "Isso é devido às nossas falhas ao lidarmos com o abuso sexual de crianças por nossos padres e funcionários."
Após o discurso, reunidas pela ONG Rede de Sobrevivência daqueles Abusados por Padres, dezenas de vítimas deram depoimentos tocantes. O principal talvez tenha sido de Craig Martin, de St. Cloud (Minnesota), que contou sua história referindo-se a si mesmo sempre como "John Doe", nome utilizado pela polícia em casos de abuso sexual envolvendo menores, que pode ser traduzido como "Fulano de Tal".
"Venho a público hoje romper o silêncio e a dor que estavam matando "John Doe'", começou ele. Em seguida, entre lágrimas, contou que um padre de sua paróquia abusava dele quando criança em passeios de pescaria.
"Eu bloqueei essa experiência dentro de mim por anos. Tornei-me alcoólatra, deprimido e revoltado com meus pais", contou. "Estou aqui hoje para ajudar os outros e pedir aos bispos que foquem sua ação na ajuda às pessoas, em vez de ficarem se prendendo aos aspectos legais."
Há hoje nos EUA cerca de 300 processos contra padres ou dioceses. Desde janeiro, de um universo de 46 mil pessoas, 150 padres e quatro bispos já renunciaram devido ao escândalo; daqueles, dois se suicidaram e um foi assassinado por uma suposta vítima.
Participam do encontro cerca de 400 bispos, na ativa ou aposentados, mas apenas 285 terão direito a voto. O principal documento a sair da reunião é o que propõe que todos os padres que cometerem abuso sexual contra menores serão expulsos e entregues às autoridades. Se aprovado, vai para avaliação de João Paulo 2º.
Se por um lado os cardeais faziam contrição e ouviam atentos os depoimentos das vítimas, por outro acusavam o golpe de reportagem publicada ontem pelo jornal "The New York Times", segundo a qual o mar de processos contra a Igreja Católica dos EUA colocou a entidade numa crise econômica sem precedentes.
Segundo o jornal, as dezenas de acordos financeiros sigilosos feitos com vítimas estão levando os principais doadores da igreja a questionar o modo como ela administra seus fundos e o destino que está dando ao dinheiro.
"A Igreja deveria abrir seus livros", disse Erica P. John, herdeira da companhia cervejeira norte-americana Miller, que contribui com US$ 5 milhões por ano para causas católicas. "Eles não deveriam ser uma sociedade secreta, nós somos o povo de Deus e queremos transparência."
É difícil, no entanto, mudar uma prática secular. Por lei, as dioceses dos EUA só devem prestar contas a si mesmas e ao Fisco.



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