São Paulo, domingo, 14 de julho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Rivalidade impede exportação de gás

JUAN FORERO
DO "THE NEW YORK TIMES", EM LA PAZ

Quase todas as peças estão em seu lugar para que esse país andino, longamente abatido pela pobreza, possa usar suas imensas reservas de gás natural descobertas recentemente -as maiores da América do Sul. Há um mercado, a Califórnia, e há investidores estrangeiros prontos para gastar até US$ 6 bilhões para a exploração.
Mas um obstáculo permanece: a Bolívia está isolada do mar, sem portos de onde embarcar mercadorias. Os analistas dizem que a solução prática é construir um gasoduto de 650 quilômetros para um porto no vizinho Chile, possivelmente em Mejillones ou Patillos, mas o projeto é ameaçado por ressentimentos de um século.
Os bolivianos ainda não esqueceram que o Chile tomou a costa boliviana em 1879 e resistem a construir um gasoduto que permitiria a um velho inimigo comprar gás barato. A preferência de muitos bolivianos é construí-lo para a costa peruana, até o porto de Ilo, embora isso seja mais caro e mais complicado.
"O Chile só deseja bons negócios com a Bolívia, mas esquece o problema que ainda está pendente", diz Jorge Torres, líder do MIR (Movimento da Esquerda Revolucionária), um partido nacionalista que se opõe à opção pelo Chile. "Nove entre dez bolivianos dirão: "melhor com o Peru". Os sentimentos das pessoas são claros. Isso significa dignidade", afirma.
As lembranças amargas e as considerações políticas, segundo as pessoas familiares com o projeto, têm atrasado a decisão do governo sobre construir o gasoduto para o Chile ou para o Peru. Ambos os países estão dispostos a oferecer incentivos como isenção de impostos para obter a ligação.
Para os investidores que financiariam o projeto -um consórcio chamado Pacific LNG, formado por três companhias transnacionais- o Chile é a escolha mais lógica. A costa peruana é 240 quilômetros mais distante das reservas de gás na Província boliviana de Tarija, e a instabilidade peruana e sua baixa credibilidade internacional tornam o país menos atrativo que o Chile. Além disso, construir a ligação para o Peru custaria US$ 600 milhões a mais.
"Se o governo boliviano nos desse US$ 600 milhões, poderíamos considerar o Peru", diz Edward Miller, presidente da British Gas Bolivia, uma das três companhias envolvidas no projeto que financiarão o gasoduto. "Todo o risco agora cai sobre o setor privado. Para o nosso dinheiro, o Peru não é uma opção", diz.
Funcionários do governo boliviano e outros que conhecem o plano dizem que a única opção aceitável para as empresas seria o Chile, porque a Bolívia não pode arcar com a diferença. "A decisão deve ser pelo Chile, ou não haverá projeto", afirma um funcionário envolvido nas negociações.
Mas, na Bolívia, é difícil esquecer o passado. Apesar de a Bolívia ter perdido muito de seu território para seus vizinhos entre 1879 e 1935, foi a perda de sua Província de Litoral, na costa, que mexeu mais com a psique boliviana.
Desde que tentou recuperar Litoral e não conseguiu, a Bolívia concentra sua política externa em buscar uma saída para o Pacífico. O país acionou órgãos internacionais, mas não obteve resultado.
A decisão pode ser tomada a qualquer momento, mas pessoas que conhecem a questão dizem que o fator político é crucial. Mas a Bolívia não é o único país que quer fornecer gás à Califórnia. A Venezuela, a Rússia, a Indonésia e a Austrália estão na disputa. Muitos dos que se opõem à escolha do Chile talvez ficassem mais calmos se a Bolívia ganhasse soberania sobre uma parte da costa do Pacífico. Mas essa opção não é realista.


Texto Anterior: América latina: Líder cocaleiro desestabiliza a Bolívia
Próximo Texto: Brasil quer aproximação com favorito em eleição
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.