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País tem "problema de saúde mental", diz negociador
ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO
Psiquiatra especializado em tratamento de dependentes de drogas e vítimas da violência, Luis Carlos Restrepo, 48, foi escolhido pelo presidente Álvaro Uribe para um cargo ingrato num governo que prega pulso firme contra os
grupos armados: é o Alto Comissário para a Paz.
Apesar do discurso militarista de Uribe, Restrepo diz acreditar na possibilidade de um processo de paz. Para ele, a violência no país é como "um problema de
saúde mental coletivo" gerado pela falta de confiança. "Temos que
reconstruir essa confiança para atingir um horizonte de convivência mútua que, hoje, parece distante", disse ele ontem à Folha, por telefone, de Bogotá.
Folha - Existe alguma chance de
um diálogo com a guerrilha nos
próximos quatro anos?
Luis Carlos Restrepo - O presidente Álvaro Uribe, desde sua
campanha, tem sido muito enfático em propor uma saída negociada para os grupos armados à margem da lei. Ele disse que está disposto a explorar essa alternativa
sempre que, por parte desses grupos, haja gestos que dêem alívio à
população. Que avancemos a um
cessar-fogo com urgência. Simultaneamente à sua proposta de segurança democrática, o presidente insistiu como candidato e agora
como presidente que há cenários
possíveis para um diálogo.
Folha - O cessar-fogo seria unilateral?
Restrepo - A sociedade colombiana só vai acreditar em um processo de negociação se tiver benefícios diretos. Já tivemos uma experiência de adiantar diálogos enquanto simultaneamente havia
ações de terror. Isso não permite
gerar a confiança necessária para
dialogar. O governo respeita os
direitos individuais dos cidadãos,
então nós também queremos que
esses grupos que atuam contra o
Estado dêem ao menos um alívio
básico para respeitar os direitos
fundamentais dos cidadãos. Não
podemos pensar em termos de
acordos que nos beneficiem mutuamente, do tipo você me dá algo
e eu te dou algo. Devemos pensar
em acordos que beneficiem a um
terceiro, que é a cidadania.
Folha - Pedir isso à guerrilha não
seria como pedir sua rendição?
Restrepo - De forma alguma.
Não estamos pedindo à guerrilha
que se desarme, se desmobilize ou
desorganize suas estruturas de
uma hora para outra. Podemos
levar um longo período de tempo
no processo de desarmamento e
desmobilização. Mas o que é totalmente contraproducente é fazer um diálogo em meio ao terror.
Folha - E o que o governo teria a
oferecer à guerrilha?
Restrepo - Isso não é uma questão de troca entre a guerrilha e o
governo. O que devemos oferecer
são benefícios para a população.
O governo tem um compromisso
de defender os direitos fundamentais da população. Isso legitima o Estado em suas ações. Queremos que de parte da guerrilha
também houvesse ações que beneficiassem a sociedade civil.
Folha - O estado de exceção declarado ontem [anteontem" prejudica a possibilidade de diálogo?
Restrepo - Digamos que esse cenário era previsível, diante das dificuldades que vive o país. O presidente está cumprindo com sua
proposta de responder à cidadania em seus desejos de segurança.
Isso faz parte de seu programa de
governo. Mas ele seguirá insistindo numa alternativa negociada.
Não vejo por que o estado de exceção possa mudar o cenário, já
que é uma proposta firme do presidente desde a campanha.
Folha - A Força Aérea bombardeou na madrugada alguns acampamentos das Farc. Ações como essa, ou o discurso de "mão dura" de
Uribe, não dificultam o diálogo?
Restrepo - Não acho, porque devemos reconhecer que estamos
em meio a um conflito armado, e
existem diferenças grandes entre
os que defendem a democracia e o
Estado de direito e aqueles que
não acreditam na democracia e
recorrem ao terror para ameaçar-nos e amedrontar-nos. Consideramos que um governo forte, legítimo, é um melhor interlocutor
para uma eventual negociação.
Folha - Como sua formação como
psiquiatra o ajuda na sua função?
Restrepo - Nós psiquiatras estamos preparados justamente para
isso, para atender a situações de
conflito e para atuar com prudência e delicadeza em meio a esse
conflito para buscar uma alternativa à crise. Minha formação e
competência para intervir em situações de crise podem me ajudar
para o cargo que assumi.
Folha - A Colômbia está doente?
Restrepo - A violência é um grande problema de saúde mental coletiva. Sem dúvida é o grande problema de saúde mental e de saúde pública que vive o país. Não vamos cair em diagnósticos pejorativos, como dizer que os que
têm armas em sua mão têm alguma doença mental ou algo assim, porque isso não é adequado.
Quando falamos de um problema de saúde mental coletivo, estamos falando de um problema de comunicação. Há grupos de colombianos que defendemos a democracia e o Estado, outros que não acreditam nesse Estado e o atacam. De alguma maneira, temos que armar uma ponte para que a comunicação seja possível.
E também, obviamente, um problema de saúde mental coletiva é sinal de que não há a confiança básica que necessita qualquer pessoa ou grupo para funcionar.
Então temos que reconstruir essa confiança para atingir um horizonte de convivência mútua que, hoje, parece distante.
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