São Paulo, domingo, 14 de agosto de 2005

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CRENÇAS EXÓTICAS

Especialista diz que até 4.000 novas denominações surgem todo ano, período em que somem outras 2.000

Religiões brotam e morrem aos milhares

VITOR PAOLOZZI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Para muitas pessoas, a religião é uma forma de compreender melhor o universo. Se aceitarmos essa noção, tudo indica que a humanidade parece cada vez mais distante de encontrar as respostas que procura há milênios. Vem crescendo em ritmo acelerado o número de novas religiões em todos os cantos do planeta.
Gordon Melton, fundador do Instituto para o Estudo da Religião Americana e editor da "Enciclopédia das Religiões Americanas", calcula que a cada ano surgem de 3.000 a 4.000 novas religiões no mundo -ou seja, por volta de dez por dia. Trata-se apenas de uma estimativa, já que é impossível saber com certeza o número exato.
"A maioria das novas religiões é tão pequena e de vida tão curta que elas não chegam a ser notadas pela mídia, pelas autoridades ou por acadêmicos", diz Lorne Dawson, diretor do departamento de Estudos Religiosos da Universidade de Waterloo (Canadá).
Melton acredita que, das novas religiões, de mil a 2.000 desaparecem anualmente. "As pessoas fazem releases dizendo que fundaram uma nova religião, mas não fazem releases para contar que elas morreram."
As dificuldades para fazer tal levantamento também esbarram na própria definição de religião. "Quando usamos o termo religião, o usamos como o equivalente de denominações cristãs. Há entre cerca de 40 mil e 60 mil religiões diferentes no mundo. Pode-se dizer cerca de 50 mil, a grosso modo", afirma Melton.
Segundo Christopher Partridge, da Universidade de Chester (Reino Unido) e editor do "Dicionário de Religiões Contemporâneas no Mundo Ocidental", mais da metade dessas religiões são variações do cristianismo.
"Há 33.830 diferentes denominações cristãs, por exemplo: catolicismo romano, assembléias de Deus, metodismo. Também deve ser observado que algumas religiões são confinadas a áreas geográficas específicas e, às vezes, a grupos étnicos únicos. Se estabelecemos o critério do que constitui uma "grande religião mundial" como a presença em mais de um único país, há talvez apenas 22 grandes religiões mundiais, incluindo, é claro, cristianismo, islamismo, judaísmo, budismo e hinduísmo", diz Partridge.
Dawson aponta os EUA como o centro da renovação religiosa no Ocidente. "No mundo, a África tem essa posição, com cerca de dez vezes mais novas religiões do que os EUA, que, por sua vez, superam em muito a Europa."
Para Melton, são duas as razões que explicam o fenômeno da multiplicação das religiões: a urbanização e a ampliação das liberdades, incluindo a religiosa, em várias partes do mundo. "No século 19 nos EUA, as velhas religiões moveram-se para o oeste, seguindo os pioneiros. As novas religiões se formaram nas cidades e se moveram de uma cidade para a outra, sendo largamente ausentes no campo. No século 19 esses centros urbanos verdadeiramente floresceram e aí a taxa de surgimento de novas religiões cresceu. E vem crescendo até hoje."
"Na América Latina tornou-se um fenômeno do século 20, largamente vinculado ao declínio e fim do colonialismo e à ascensão de culturas indígenas, exigindo seus lugares na sociedade. Na África, o colonialismo teve o efeito de impor todos os tipos de grupos cristãos. O seu fim permitiu o aparecimento de um grande número de novas religiões africanas", diz Melton.
A maioria das novas religiões têm sua origem no cristianismo, no islamismo ou no budismo. Geralmente elas surgem como um racha. "As pessoas acham que uma determinada religião se tornou muito mundana ou corrupta e decidem se separar dessa tradição, fundando uma nova religião, que acreditam ser fiel à revelação original", diz Partridge.
"É muito difícil achar uma nova religião totalmente a partir do zero. Elas vão pegar o que gostam [da velha religião] e mudar o que não gostam. A maioria das exceções, como a Igreja da Unificação, faz a fusão de duas tradições [no caso da igreja do reverendo Moon, do cristianismo com religiões coreanas], afirma Melton.

Anjos extraterrestres
As novas religiões costumam refletir a época em que surgem. Nos anos 50, quando era grande o entusiasmo pela descoberta de vida extraterrestre, houve um "boom" de religiões em que deuses e anjos eram seres de outros planetas.
"Mas havia problemas: no início, a idéia era de que esses seres viriam de planetas relativamente próximos, como Marte. Essa idéia foi destruída quando começamos a explorar o espaço. Então agora eles vêm de galáxias distantes", diz Melton.
Atualmente, há uma tendência em várias religiões de vincular a proteção ao ambiente à espiritualidade. Algumas religiões na África realizam suas cerimônias ao ar livre, como forma de despertar a consciência ecológica.
Partridge também destaca o aparecimento do que chama de "espiritualidade alternativa".
"Uma das mudanças mais significativas, particularmente na religiosidade dos ocidentais, é a emergência de formas não-institucionais e privadas de crença e práticas. Há um distanciamento de formas tradicionais de crença que se desenvolveram dentro das instituições religiosas em direção a formas de crença que focam no indivíduo ["self'], na natureza ou simplesmente na "vida'", afirma Partridge.
"Na busca de uma espiritualidade alternativa, a pessoa pode tirar inspiração dos ensinamentos de Jesus, das idéias taoístas, até mesmo da importância espiritual de golfinhos e discos-voadores. Qualquer que seja a opção, essa pessoa irá seguir um caminho traçado a seu modo, que se foca no "self" e que se distingue do que normalmente seria classificado como "religião"."

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