São Paulo, sábado, 14 de agosto de 2010

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Senta que o Estado não é manso

CLÓVIS ROSSI


G20 rendeu-se cedo demais aos ataques dos mercados; sem atuação de Bush e Obama, crise seria maior


O G20, O CLUBÃO das maiores economias do planeta, autoproclamou-se, na sua cúpula de Pittsburgh, em setembro passado, o "principal foro de debate da economia mundial".
Se é assim, o mundo está mal das pernas. Na cúpula seguinte (Toronto), faz apenas um mês e meio, o G20 trocou a ênfase na necessidade de estímulos oficiais à economia pela urgência em reverter a deterioração das contas públicas, provocada exatamente pelos pacotes de apoio ao setor privado lançados na crise.
Houve, na preparação para Toronto, uma dura batalha entre os EUA (pró-estímulos, com integral apoio do Brasil) e a Europa, acuada pelos ataques dos mercados e pronta para render-se a qualquer custo.
Bom, um mês e meio depois, o noticiário econômico dá razão a EUA e Brasil e demonstra que a nova ênfase do G20 não foi exatamente a mais adequada.
É claro que é preciso corrigir deficit e dívidas públicas. Mas o "timing" deveria ser menos apressado, diziam os norte-americanos.
Agora, volta ao cenário a ideia do que o jargão costuma chamar de "double dip", um segundo mergulho na recessão.
É verdade que há, nessa tese, uma boa dose de especulação. Dá até a sensação de que os economistas, 99,9% dos quais apanhados distraídos quando da crise anterior, não querem agora ser surpreendidos de novo e começam a gritar "o lobo vem", a cada queda no preço do mamão papaia nas ilhas Papua -para caricaturar um pouco (só um pouco) as explicações do tal mercado para a gangorra nas bolsas.
Vide, sem caricaturas, a perfeita análise de Vinícius Torres Freire nesta Folha, ontem.
Ainda que o risco de "double dip" seja pequeno, permanece o fato de que um montão de indicadores aponta, sim, para uma desaceleração no crescimento.
O risco é que o G20 demore para recalibrar a sua avaliação. A próxima só será feita, em princípio, na cúpula de Seul em novembro. Dá tempo para evitar que desaceleração vire recessão? Aparentemente sim. Até porque Juan Ignacio Crespo, diretor da Thomson Reuters, em artigo para "El País", informa que houve apenas duas duplas recessões em 160 anos.
Entre parêntesis, confesso que não me tranquiliza. A Espanha nunca havia sido campeã do mundo em 80 anos de Copas. Foi neste ano.
Fim do parêntesis, volto ao G20. Os governantes são forçados a prestar atenção aos ataques dos mercados, mas não deveriam deixar de anotar também as lições da crise.
Estudo dos economistas Alan Blinder e Mark Zandi, recentemente divulgado, mostra que a reação dos governos George Walker Bush (sim, George W. Bush) e Barack Obama evitou aquela que seria a "Grande Depressão 2.0", como a batizaram os estudiosos.
A economia teria retrocedido, no ano passado, 7,4% em vez de 2,4%, e mais 8,5 milhões de empregos teriam sido perdidos, além dos 8 milhões de fato decepados.
Ao contrário, pois, do que dizem os fundamentalistas de mercado, o Estado nem sempre é o problema; às vezes, é parte da solução -e parte absolutamente essencial.

crossi@uol.com.br


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