São Paulo, domingo, 14 de agosto de 2011

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ANÁLISE

China assume "dupla personalidade" em relação aos problemas dos EUA

MINXIN PEI
ESPECIAL PARA A FOLHA

A disputa travada em Washington em torno do teto da dívida, o rebaixamento da nota AAA dos Estados Unidos e a queda livre dos preços das ações ordinárias nos EUA podem soar como a dádiva de Deus à China, única potência mundial a desafiar a supremacia americana.
Infelizmente, porém, as coisas não são tão simples. Para Pequim, a turbulência econômica nos EUA é uma faca de dois gumes.
É claro que deficits fiscais insustentáveis e um impasse político vão enfraquecer os EUA, permitindo que a China amplie sua influência.
O fato de os EUA estarem passando por uma "década perdida" vai reforçar a percepção de que são a superpotência em declínio, enquanto a China é a do futuro.
Em termos políticos, a disputa partidária ferrenha em Washington mostrou a democracia sob uma ótica negativa, algo que os governantes autocráticos da China saúdam com gosto.
Mas, pelo fato de a economia chinesa estar tão estreitamente ligada aos Estados Unidos, a crise da América vai prejudicar a prosperidade da própria China.
Como os EUA importam bilhões de dólares em produtos da China a cada ano, uma economia americana estagnada reduz a demanda por produtos chineses. Não é o que Pequim deseja.
Pior ainda: embora Pequim possa estar repreendendo Washington por suas falhas de responsabilidade fiscal, ela está preocupadíssima. Em primeiro lugar, aproximadamente 60% dos US$ 3,2 trilhões da reserva de divisas da China consistem em dívida em dólares. Isso significa que a China possui pelo menos US$ 1,8 trilhão em obrigações de dívida americanas.
Embora, no pânico financeiro atual, o preço dos títulos do Tesouro tenha subido, no futuro o mercado vai fazer o custo dos empréstimos feitos pelos EUA subir e reduzirá o valor de sua dívida e moeda, levando a China a perder potencialmente centenas de bilhões de dólares.
Em segundo lugar, em vista dos imensos superavits de conta corrente da China, Pequim precisa aplicar seu dinheiro em títulos de baixo risco. Se os papéis do Tesouro deixarem de ser seguros, a China terá poucas alternativas. Diversificar para o euro ou para o iene não é uma estratégia prudente.
Por essas razões, a China manifesta personalidade dupla quando contempla os problemas dos EUA. Politicamente, os líderes chineses estão exultando. Economicamente, porém, eles estão rezando em segredo para que a América recupere a estabilidade e o crescimento.

MINXIN PEI é professor de governança no Claremont McKenna College, nos EUA.


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