São Paulo, sábado, 14 de outubro de 2000

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PAZ SOB ATAQUE
Líder palestino não respondeu à proposta de paz sem precedentes do premiê israelense, escreve analista
"Arafat perdeu a superioridade moral"

THOMAS FRIEDMAN
DO "THE NEW YORK TIMES"

A característica mais reveladora da atual explosão de violência israelense-palestina talvez seja o fato de que esta guerra não tem nome. A Intifada -o levante palestino do final dos anos 1980- recebeu seu nome quase imediatamente. "Intifada" pode ser traduzido, a grosso modo, como "libertar-se de", e o que se dizia era que os palestinos estavam tentando libertar-se da ocupação israelense. Mas as últimas duas semanas de violência ainda não ganharam um nome, e não é por acaso. É porque mesmo seus participantes não conseguem explicar a que ela se deve, ou, lá no fundo, se sentem constrangidos em fazê-lo.
As origens dessa última explosão de violência remontam diretamente à entrevista coletiva que o presidente dos EUA, Bill Clinton, concedeu à imprensa após o fracasso da cúpula de Camp David, em julho. Clinton observou, de maneira pontual, deliberada e correta, que o primeiro-ministro israelense, Ehud Barak, tinha oferecido concessões sem precedentes -mais de 90% da Cisjordânia para formar o Estado palestino, uma solução parcial para o problema dos refugiados palestinos e a soberania palestina sobre os bairros muçulmano e cristão da Cidade Velha de Jerusalém- e que Arafat não respondera à altura ou nem sequer respondera.
Os palestinos ficaram chocados com a avaliação feita por Clinton. Pela primeira vez em muito tempo, Arafat não ocupava posição moral superior. Ele e os outros líderes árabes se acomodaram tanto com Bibi Netanyahu (antecessor de Barak) como premiê israelense -um homem a quem o mundo sempre atribuía a culpa por qualquer fracasso no processo de paz- que estavam despreparados para a seriedade da oferta de Barak e o caráter direto da avaliação de Clinton. Outros líderes mundiais disseram a mesma coisa a Arafat: Barak merece uma contraproposta séria.
Arafat viu-se diante de um dilema: fazer algumas concessões, levar adiante a oferta inicial de Barak e tentar ampliá-la para mais perto de 100% -e, dessa maneira, reconquistar sua posição de superioridade moral- ou provocar os israelenses de modo que voltassem a cometer alguma brutalidade contra os palestinos, reconquistando assim sua superioridade moral. Arafat escolheu a segunda alternativa. Em lugar de reagir ao gesto de paz, ele e seus rapazes reagiram à provocação destruidora da paz de Ariel Sharon. Em suma, os palestinos não conseguiram lidar com Barak, então tiveram que transformá-lo em Sharon -e foi o que fizeram.
Os palestinos não poderiam explicar o que aconteceu nesses termos, então desfiaram todo o velho rol de queixas sobre a brutalidade da ocupação israelense e a continuação da construção de assentamentos por Israel. As barreiras policiais israelenses e a continuidade da construção de assentamentos são opressivos, sim. Mas o que os palestinos e árabes se recusam a reconhecer é que o premiê israelense atual estava oferecendo uma saída com dignidade. Ela estava longe de ser perfeita para os palestinos, mas era uma proposta que, abordada da maneira correta, poderia ter sido ampliada e aprofundada. Imagine-se o que teria acontecido se, quando Sharon visitou a Esplanada das Mesquitas, Arafat tivesse ordenado a seu povo que o recebesse de braços abertos, dizendo "quando esta área estiver sob soberania palestina, todo judeu será bem-vindo aqui, até mesmo você, Sharon". Imagine-se o impacto que isso teria exercido sobre os israelenses.
Mas isso teria sido um ato próprio de estadista, manifestando intenções pacíficas reais, e Arafat, como já ficou claro, não o é e não as possui. Em lugar de ser estadista, prefere representar o papel de vítima. Essa explosão de violência teria sido totalmente compreensível se os palestinos não tivessem outra alternativa. Mas não era esse o caso. O que é novo aqui não é a violência, mas o contexto. Ela se deu no contexto de uma oferta séria israelense de paz, que Arafat optou por desprezar. É por isso que esta é a guerra de Arafat. É esse seu nome verdadeiro.
Para saber até que ponto os palestinos estão confusos, considere-se a frase dita por seu negociador de alto escalão Hasan Asfour: "Não pode haver (retomada das) conversações de paz sem um inquérito internacional (sobre a violência mais recente). Nosso povo não morreu por nada". Entendi. Esses palestinos morreram para que possa haver um inquérito internacional sobre as razões pelas quais foram mortos. É triste. Que inversão total de prioridades!
Com o selvagem linchamento de soldados israelenses em Ramallah, depois de uma semana de mortes israelo-palestinas e, agora, o ataque suicida a um navio norte-americano no Iêmen, a região inteira está escorregando para o caos. O assustador é que ninguém sabe o que fazer agora.
Como agir quando não existe parceiro para a paz, nem alternativa à paz? Lamentar os mortos. Lamentar os mortos e rezar para que, quando a atual explosão de ódio chegar ao fim, os parceiros encontrem uma maneira de viver separados. De outro modo, o futuro será limitado a um eterno matar e morrer, matar e morrer, matar e morrer, matar e morrer.


Tradução de Clara Allain

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