|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
PAZ SOB ATAQUE
Líder palestino não respondeu à proposta de paz sem precedentes do premiê israelense, escreve analista
"Arafat perdeu a superioridade moral"
THOMAS FRIEDMAN
DO "THE NEW YORK TIMES"
A característica mais reveladora da atual explosão de violência
israelense-palestina talvez seja o
fato de que esta guerra não tem
nome. A Intifada -o levante palestino do final dos anos 1980-
recebeu seu nome quase imediatamente. "Intifada" pode ser traduzido, a grosso modo, como "libertar-se de", e o que se dizia era
que os palestinos estavam tentando libertar-se da ocupação israelense. Mas as últimas duas semanas de violência ainda não ganharam um nome, e não é por
acaso. É porque mesmo seus participantes não conseguem explicar a que ela se deve, ou, lá no
fundo, se sentem constrangidos
em fazê-lo.
As origens dessa última explosão de violência remontam diretamente à entrevista coletiva que
o presidente dos EUA, Bill Clinton, concedeu à imprensa após o
fracasso da cúpula de Camp David, em julho. Clinton observou,
de maneira pontual, deliberada e
correta, que o primeiro-ministro
israelense, Ehud Barak, tinha oferecido concessões sem precedentes
-mais de 90% da Cisjordânia
para formar o Estado palestino,
uma solução parcial para o problema dos refugiados palestinos e
a soberania palestina sobre os
bairros muçulmano e cristão da
Cidade Velha de Jerusalém- e
que Arafat não respondera à altura ou nem sequer respondera.
Os palestinos ficaram chocados
com a avaliação feita por Clinton.
Pela primeira vez em muito tempo, Arafat não ocupava posição
moral superior. Ele e os outros líderes árabes se acomodaram tanto com Bibi Netanyahu (antecessor de Barak) como premiê israelense -um homem a quem o
mundo sempre atribuía a culpa
por qualquer fracasso no processo
de paz- que estavam despreparados para a seriedade da oferta
de Barak e o caráter direto da
avaliação de Clinton. Outros líderes mundiais disseram a mesma
coisa a Arafat: Barak merece uma
contraproposta séria.
Arafat viu-se diante de um dilema: fazer algumas concessões, levar adiante a oferta inicial de Barak e tentar ampliá-la para mais
perto de 100% -e, dessa maneira, reconquistar sua posição de
superioridade moral- ou provocar os israelenses de modo que
voltassem a cometer alguma brutalidade contra os palestinos, reconquistando assim sua superioridade moral. Arafat escolheu a
segunda alternativa. Em lugar de
reagir ao gesto de paz, ele e seus
rapazes reagiram à provocação
destruidora da paz de Ariel Sharon. Em suma, os palestinos não
conseguiram lidar com Barak,
então tiveram que transformá-lo
em Sharon -e foi o que fizeram.
Os palestinos não poderiam explicar o que aconteceu nesses termos, então desfiaram todo o velho rol de queixas sobre a brutalidade da ocupação israelense e a
continuação da construção de assentamentos por Israel. As barreiras policiais israelenses e a continuidade da construção de assentamentos são opressivos, sim. Mas
o que os palestinos e árabes se recusam a reconhecer é que o premiê israelense atual estava oferecendo uma saída com dignidade.
Ela estava longe de ser perfeita
para os palestinos, mas era uma
proposta que, abordada da maneira correta, poderia ter sido
ampliada e aprofundada. Imagine-se o que teria acontecido se,
quando Sharon visitou a Esplanada das Mesquitas, Arafat tivesse ordenado a seu povo que o recebesse de braços abertos, dizendo "quando esta área estiver sob
soberania palestina, todo judeu
será bem-vindo aqui, até mesmo
você, Sharon". Imagine-se o impacto que isso teria exercido sobre
os israelenses.
Mas isso teria sido um ato próprio de estadista, manifestando
intenções pacíficas reais, e Arafat,
como já ficou claro, não o é e não
as possui. Em lugar de ser estadista, prefere representar o papel de
vítima. Essa explosão de violência
teria sido totalmente compreensível se os palestinos não tivessem
outra alternativa. Mas não era
esse o caso. O que é novo aqui não
é a violência, mas o contexto. Ela
se deu no contexto de uma oferta
séria israelense de paz, que Arafat
optou por desprezar. É por isso
que esta é a guerra de Arafat. É
esse seu nome verdadeiro.
Para saber até que ponto os palestinos estão confusos, considere-se a frase dita por seu negociador
de alto escalão Hasan Asfour:
"Não pode haver (retomada das)
conversações de paz sem um inquérito internacional (sobre a
violência mais recente). Nosso povo não morreu por nada". Entendi. Esses palestinos morreram para que possa haver um inquérito
internacional sobre as razões pelas quais foram mortos. É triste.
Que inversão total de prioridades!
Com o selvagem linchamento
de soldados israelenses em Ramallah, depois de uma semana de
mortes israelo-palestinas e, agora,
o ataque suicida a um navio norte-americano no Iêmen, a região
inteira está escorregando para o
caos. O assustador é que ninguém
sabe o que fazer agora.
Como agir quando não existe
parceiro para a paz, nem alternativa à paz? Lamentar os mortos.
Lamentar os mortos e rezar para
que, quando a atual explosão de
ódio chegar ao fim, os parceiros
encontrem uma maneira de viver
separados. De outro modo, o futuro será limitado a um eterno
matar e morrer, matar e morrer,
matar e morrer, matar e morrer.
Tradução de Clara Allain
Texto Anterior: Viúva ouve "assassino" do marido pelo celular Próximo Texto: Likud diz que pode dar "firmeza" ao governo Índice
|