|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
Legado de Arafat é a negociação para a paz
MIGUEL ANGEL MORATINOS
ESPECIAL PARA O "INDEPENDENT"
O presidente Arafat é história.
Com isso, não quero dizer que ele
pertença ao passado porque morreu. Pelo contrário: seus esforços
incansáveis, feitos ao longo de
tantos anos, representam a esperança da população palestina.
Simplesmente, hoje o Estado palestino é uma perspectiva mais
possível do que nunca, graças justamente a Arafat.
Abdel Raouf, seu nome de nascimento, será lembrado pelos palestinos como a personificação de
sua luta para alcançar a condição
de Estado. Ele também será lembrado por sua expressão sorridente e seu constante bom humor, apesar dos tempos difíceis
que precisou suportar. Com seu
tradicional kaffieh, tão axadrezado quanto a geografia da Palestina, e seu uniforme militar verde-oliva, Arafat se firmou aos olhos e
na imaginação do público como
guerreiro incansável que se dedicou a sua causa de corpo e alma. O
fervor que ele despertava em seu
povo constitui um testemunho da
legitimidade de sua causa.
Eu o conheci muito bem. De coração, reconheço e sou testemunha de sua luta brava e honrada.
Compartilhamos muitas horas
em fases diferentes da história recente da Palestina. Arafat era um
homem de coração caloroso, como as pessoas tendem a ser naquelas terras, independentemente da nacionalidade ou cultura.
Tanto Yitzhak Rabin quanto
Iasser Arafat acreditavam que Jerusalém fosse uma cidade única e
queriam fazer dela um centro de
esperança e convivência pacífica.
Ambos assinaram os acordos de
Oslo, as bases de uma paz para os
bravos, como Arafat os descrevia
com tanta insistência. Mesmo hoje, muitos ainda se opõem àquele
salto inovador, que implicou em
abrir mão da dinâmica do confronto, pela primeira vez. No entanto, as sementes lançadas por
Rabin e Arafat naqueles acordos
históricos continuam vivas.
Arafat, que foi democraticamente eleito presidente palestino,
foi um grande líder de seu povo.
Ele era tenaz e defendeu os interesses palestinos com bravura. Ele
estava consciente de que, para
que os palestinos pudessem desfrutar de paz e liberdade, precisavam poder eleger seus representantes e seus parlamentares de
maneira livre, sob supervisão internacional. Assim, a legitimidade
de suas ações era respaldada pelo
apoio popular, conforme evidenciado por eleições democráticas.
Arafat sobreviveu a muitas décadas de exílio, bombardeios, um
acidente aéreo que lhe deixou
problemas de saúde permanentes, ataques por mísseis (um dos
quais sofremos juntos, dois anos
atrás), a dor lancinante de ser incompreendido e, por vezes, o isolamento. Seus últimos anos de vida foram obscurecidos pelo confinamento dentro de seu quartel-general da Muqata -mas, mesmo assim, ele continuou a lutar
para defender seu povo, inspirando negociações e buscando caminhos alternativos para a paz. E é
esse, basicamente, seu legado.
Nem tudo no histórico de Arafat é imaculado. Ele foi politicamente incapaz de canalizar a frustração palestina e não conseguiu
controlar a segunda Intifada. Como eu, pessoalmente, tive a oportunidade de lhe apontar em mais
de uma ocasião, ele foi incapaz ou
não se dispôs a deixar de lado o
manto do líder revolucionário e
assumir a solidez institucional de
um chefe de Estado genuíno. Ele
também podia ser criticado por
não agir com firmeza suficiente
em relação a alguns de seus aliados, mais preocupados com suas
ambições próprias do que com a
causa da população palestina.
Muitos finais são, na realidade,
novos começos, e a morte de Arafat deve nos deixar em condições
de alcançar a paz. Precisamos superar a tentação de olhar para
trás, para onde a dor e o sofrimento grassaram abundantes. A história deve julgar Arafat com inteligência e honestidade. Não faltaram em sua vida ação, visão ou
coragem política. Que ele descanse em paz, e que o povo palestino
o honre conquistando um futuro
como Estado independente e fundamentado nas boas relações
com seus vizinhos, no respeito
mútuo, na convivência pacífica e
na cooperação com Israel.
Miguel Angel Moratinos é chanceler
da Espanha e foi enviado da UE ao Oriente Médio entre 1996 e 2003.
Tradução de Clara Allain
Texto Anterior: Artigo: O que dirão sobre Arafat? Próximo Texto: Iraque sob tutela: Iraque diz que completou ação em Fallujah Índice
|