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ARTIGO
Bush tende a enfatizar comércio com AL
MARCO VICENZINO
ESPECIAL PARA A FOLHA
No que tange à América Latina,
o segundo mandato de George W.
Bush tenderá em geral a favorecer
mais as iniciativas de livre comércio. No entanto a capacidade de
manobra de Bush será determinada, em última análise, pelo Congresso, que é mais protecionista,
por natureza.
Bush continuará a trabalhar em
estreita cooperação com a Argentina, em suas negociações de dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Ainda que os países do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) possam
preferir um acordo de livre comércio com a União Européia,
devido ao maior volume de comércio, as negociações entre o
bloco comercial e os europeus
atingiram um impasse recentemente, e o comércio com os Estados Unidos vem crescendo em
ritmo acelerado.
Alca
O progresso quanto ao estabelecimento da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) dependerá da disposição dos Estados Unidos e do Brasil para realizar concessões significativas a fim de galvanizar e acelerar as negociações.
Ainda que as relações com o Brasil devam continuar a ser determinadas em larga medida pelas
questões de comércio, a liderança
brasileira nas forças de paz das
Nações Unidas no Haiti pode ter
introduzido uma nova dinâmica
nas relações entre brasileiros e
norte-americanos.
A tendência pode se desenvolver ainda mais, em longo prazo,
caso o Brasil venha a assumir
mais responsabilidade por iniciativas que envolvam desafios de alcance hemisférico.
A recente controvérsia entre o
Brasil e a Agência Internacional
de Energia Atômica (AIEA) provavelmente não causará fricção
com os EUA.
Na região andina, Bush continuará a oferecer apoio inequívoco
ao Plano Colômbia e a manter relações estreitas com o presidente
Álvaro Uribe. O presidente norte-americano continuará a monitorar de longe as situações voláteis
de Peru, Equador e Bolívia.
A simples percepção de um envolvimento norte-americano excessivo poderia deflagrar uma
reação popular contra os governos atualmente instáveis da região.
Os líderes do Equador e do Peru
têm recebido um apoio muito
baixo nas pesquisas de opinião e
continuam ocupando posições
vulneráveis diante dos movimentos esquerdistas que vêm emergindo na região, inspirados pela
vitória de Hugo Chávez, da Venezuela, em um plebiscito quanto à
conclusão de seu mandato, e pela
derrubada do presidente democraticamente eleito da Bolívia no
ano passado.
Para o futuro imediato, esses
acontecimentos terão menos impacto sobre a Bolívia, que controla a segunda maior reserva de gás
natural do continente, atrás da
Venezuela, e continua sendo o
país mais pobre da região.
O presidente Carlos Mesa, que
assumiu quando seu predecessor
foi derrubado depois de protestos
violentos no ano passado, venceu
em julho um referendo sobre o
petróleo e o gás natural, o que lhe
dá um mandato claro e a estabilidade necessária para comandar o
governo, pelo menos em curto
prazo.
Mas a relação de Bush com o Peru, Equador e Bolívia será influenciada, em larga medida, pelo resultado das negociações para
criar um acordo de livre comércio
com a região andina.
Venezuela
No que tange à Venezuela, manter o status quo estabelecido desde o referendo de agosto e evitar
um confronto continua a ser conveniente, de parte a parte, até as
eleições presidenciais venezuelanas marcadas para 2006. Isso permite a Chávez que continue a implementar sua agenda revolucionária, com interferência externa
limitada, excetuadas as expressões de preocupação quanto a
violações dos direitos humanos
de parte dos Estados Unidos, da
Organização dos Estados Americanos (OEA) e de seus países
membros.
Com a volatilidade da economia
norte-americana, a ameaça terrorista, a alta da demanda chinesa e
as dificuldades em países produtores de petróleo como a Rússia, a
Nigéria e a Noruega, a última coisa de que Bush
precisa é de outra
crise desestabilizadora na Venezuela que viesse a
elevar o preço já
exagerado do petróleo.
As relações com
a América Central
dependem em larga medida do resultado das negociações do Acordo
Centro-Americano de Livre Comércio (Acalc),
que já foi assinado
por Bush, mas
ainda não obteve a
ratificação do
Congresso. Sua
única chance real de sobrevivência depende de lobby efetivo e
persistente do governo junto ao
Legislativo, coordenado com a
ação de grupos hispânicos influentes nos Estados Unidos e de
organizações de defesa do livre
mercado.
A política norte-americana para
com Cuba continuará a ser determinada em larga medida pela comunidade cubana nos Estados
Unidos. A decisão do presidente
Fidel Castro de tornar ilegal o uso
de dólares em seu país complicou
ainda mais a vida dos cubanos comuns, muitos dos quais dependem de dinheiro enviado por parentes instalados
nos Estados Unidos para sobreviver. A triste realidade é que, não
importa que política os norte-americanos adotem,
nada vai mudar
na ilha enquanto
Castro sobreviver.
Quaisquer aparentes concessões
de sua parte só são
feitas para garantir a sobrevivência
da revolução que
ele liderou.
No Caribe, Bush
terá de continuar
acompanhando
de perto a situação do Haiti, mas fornecerá recursos modestos, sem envolvimento
em larga escala. Ou seja, a menos
que o caos completo volte a tomar
o país e ressurja a ameaça de uma
crise de refugiados, com milhares
de haitianos chegando às costas
da Flórida, os Estados Unidos
continuarão relutando em deslocar soldados para a região, baseados na experiência de 1994, quando 20 mil soldados norte-americanos foram enviados ao Haiti e,
passados dez anos da intervenção, não se pode constatar nenhuma melhora perceptível da situação.
Bush espera contar com a cooperação de organizações regionais e internacionais, especialmente a ONU, para lidar com a situação do Haiti.
Na República Dominicana, dificuldades econômicas sérias para
o governo do presidente Leonel
Fernandez podem requerer
maior envolvimento norte-americano no futuro imediato.
O mais importante relacionamento norte-americano na América Latina continuará a ser com
seu vizinho ao sul, o México. As
questões mais prementes entre os
dois países são segurança, comércio e imigração.
Bush vai querer ampliar a cooperação em assuntos de segurança, primordialmente questões de
fronteira. Quanto ao comércio,
Bush deve mostrar maior flexibilidade diante das demandas mexicanas por uma implementação
mais completa do Acordo Norte-Americano de Livre Comércio
(Nafta).
A imigração continua a ser uma
questão enormemente sensível
nos Estados Unidos, especialmente depois do 11 de Setembro, e
particularmente no Congresso
norte-americano. Bush pode tentar explorar mais iniciativas delimitadas por normas legislativas.
Antes do 11 de Setembro, Bush
tentou criar uma nova relação
com o México, na qual o papel da
imigração seria um elemento importante. Os atentados puseram
fim à iniciativa, e ainda resta determinar se ele conseguirá retomá-la em seu segundo mandato.
Isso será em larga medida definido pelo novo Congresso depois de
janeiro.
Depois da renúncia de Miguel
Angel Rodriguez como secretário-geral da OEA (Organização
dos Estados Americanos), a organização operará sob a condução
de Luigi Einaudi até que um novo
secretário-geral seja eleito na próxima assembléia geral do grupo,
em junho.
Até lá, negociações para definir
um candidato provavelmente dominarão a agenda. Bush apoiará
um candidato com histórico responsável de credenciais democráticas e comprometido com a
transparência, com a prestação de
contas e com a integridade. Infelizmente, todas as iniciativas importantes estarão suspensas até
que a sucessão na OEA seja decidida. Os desafios e questões que
requerem atenção imediata serão
portanto deixados de lado, criando um certo senso de paralisia hemisférica.
A realidade é que, com a campanha internacional contra o terrorismo, o conflito no Iraque, o fiasco na Coréia do Norte, a crise que
cresce no Irã e as tensões nas relações entre a Europa e os Estados
Unidos, é improvável que a América Latina se torne uma prioridade no segundo mandato de Bush.
Desafios sérios
Depois de décadas de tumultos
e turbulência, a democracia prevalece nas Américas, com exceção
de Cuba. No entanto, muitas das
democracias da região continuam
a ser frágeis e instáveis. A fim de
prosperarem, precisam ser alimentadas e consolidadas ao longo do tempo.
As dificuldades econômicas, a
corrupção endêmica, a necessidade de desenvolver as instituições
da sociedade civil e de garantir a
confiança pública nelas continuam a ser desafios sérios que
ameaçam a existência da democracia nas Américas.
Os Estados Unidos precisam
continuar envolvidos nos assuntos hemisféricos para ajudar na
superação desses desafios. Caso
não o façam, os tumultos e turbulências do passado retornarão e os
norte-americanos se verão forçados a renovar seu envolvimento
por necessidade, e não por escolha.
Marco Vicenzino é analista político e
especialista em assuntos internacionais,
foi diretor de América Latina no Instituto
Internacional para Assuntos Estratégicos
(IISS), em Londres.
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