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Cristina tem ano para ser esquecido
Após 365 dias no cargo, presidente argentina vê capital político e bonança econômica herdados do marido corroídos
Governo foi marcado até agora por escândalo da mala, conflito histórico com produtores rurais e série de promessas não cumpridas
THIAGO GUIMARÃES
DE BUENOS AIRES
Na última quarta, fez um ano
que a presidente da Argentina,
Cristina Kirchner, 55, assumiu
o governo após vencer a eleição
com 43,5% dos votos, ao fim de
uma campanha marcada pelo
desinteresse popular e pela falta de debates.
Na ocasião, escrevia Isidoro
Cheresky, professor de teoria
política contemporânea da
Universidade de Buenos Aires:
"Cabe perguntar se a indiferença não encobre um mal-estar
cidadão não representado e se
um potencial de demandas e
expectativas não formuladas
estarão presentes ao dia seguinte da eleição".
Hoje, um escândalo de corrupção, uma briga histórica
com o campo e uma crise mundial depois, o mal-estar previsto por Cheresky está exposto
na dilapidação do capital político de Cristina, que só é aprovada por cerca de 25% dos argentinos, segundo as pesquisas.
Cristina, primeira mulher
eleita presidente da Argentina,
recebeu do marido, Néstor
Kirchner (2003-2007), a melhor herança econômica em 25
anos, impulsionada pelo rebote
da megacrise de 2001-2002 e
pelo cenário externo favorável.
Às vésperas do primeiro verão pós-crise mundial, o quadro é outro, agravado por desmazelos internos como gastos
públicos elevados e índices de
inflação sob suspeita. Consumo
e investimentos em baixa, retração do crédito, juros em ascensão e a perspectiva de crescimento nulo em 2009.
"O dilema do governo hoje é
administrar essa desaceleração", disse Bernardo Kosacoff,
diretor da Cepal (Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe) na Argentina.
Com o pé esquerdo
Cristina inaugurou sua gestão com o "escândalo da mala"
-suspeita de que o governo
Hugo Chávez, da Venezuela,
fez uma doação ilegal à sua
campanha. O caso complicou as
relações com os EUA -venezuelanos envolvidos na história
passaram por Miami e o FBI
apurou que o dinheiro era para
a campanha- e botou o governo na defensiva.
Depois veio a maior crise dos
anos Kirchner: o conflito com o
campo. Um aumento de impostos sobre exportações causou
locautes rurais, desabastecimento em grandes cidades e
panelaços da classe média.
Acuada, Cristina enviou o
projeto de aumento ao Congresso. Acabou levantando a
bola para seu vice, Julio Cobos,
que se tornou o político mais
popular do país ao desempatar
a votação no Senado e derrubar
o tarifaço rural.
"Foi o ponto de inflexão do
governo, que absorveu quase
metade de sua gestão e acabou
com a idéia ingênua de um Néstor Kirchner afastado do poder", diz Rodrigo Mallea, do
instituto Nova Maioria.
"A imagem de Néstor está tão
associada ao governo que as
pessoas o avaliam como o sexto
ano de kirchnerismo, o que não
ajuda", diz Orlando D'Adamo,
do Centro de Opinião Pública
da Universidade de Belgrano.
Para Mallea, a presidente
perdeu apoio sobretudo na "Argentina profunda", e não entre
classes médias urbanas, historicamente esquivas ao peronismo -nas eleições, já perdera
nos grandes centros urbanos.
Cristina repete o estilo desconfiado e confrontativo de
Néstor, mas nunca escondeu
formar uma sociedade política
com o marido, hoje na presidência do partido do governo
(Justicialista). Um dia antes de
assumir, disse: "Para mim
Kirchner vai continuar também sendo presidente".
Pelo caminho
A maior parte das promessas
de Cristina foi ficando pelo caminho ou está inconclusa.
Na campanha, ela anunciou
um "pacto social" entre trabalhadores e empresários como
eixo estratégico do mandato.
Caiu no esquecimento.
Também não vingou a prometida "reinserção internacional" da Argentina, que criou expectativa de mudanças em política exterior.
No plano regional, continua
ruim a relação com o Uruguai,
que vetou a candidatura de
Néstor Kirchner para a secretaria-geral da Unasul (União de
Nações Sul-Americanas). Os
países divergem em torno da
instalação de uma papeleira do
lado uruguaio da fronteira.
Esfriou ainda o trato com a
Venezuela, que cobra cada vez
mais caro para emprestar dinheiro à Argentina.
Em sua primeira entrevista
após ser eleita, Cristina citou o
combate à pobreza como prioridade. Pelos dados oficiais, a
pobreza caiu 2,8 pontos no primeiro semestre, chegando a
17,8% (4,3 milhões de pessoas)
da população urbana. Um informe privado diz que a pobreza subiu 1,3 ponto no período e
afeta 11,3 milhões (31,6%) de
argentinos. A taxa de desemprego, segundo o governo, caiu
de 8% para 7,8% neste ano.
A crise econômica mundial
chega à Argentina quando Cristina tentava acenar aos mercados internacionais e retomar a
iniciativa política -com anúncios de pagamento a credores e
de aumentos de pensões.
Enquanto o governo se ocupa
com um pacote anticrise, a oposição começa a se articular rumo às eleições legislativas de
2009 e as presidenciais de 2011
-União Cívica Radical, Coalizão Cívica e Partido Socialista
já anunciaram acordo para
uma "alternativa de governo".
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