São Paulo, quinta-feira, 15 de janeiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CAÇA ÀS BRUXAS

Site recolhe informações sobre professores e instituições que "impõem aos alunos" opiniões "antiamericanas"

Direita dos EUA monitora acadêmicos "não-patriotas"

CÍNTIA CARDOSO
DE NOVA YORK

Um clima de caça às bruxas ronda os departamentos de estudos sobre o Oriente Médio nas universidades americanas.
Na esteira dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, setores conservadores do meio acadêmico e político dos Estados Unidos têm se lançado à procura de professores e instituições considerados "não-patrióticos".
Um exemplo é o Fórum do Oriente Médio, sediado na Pensilvânia. A organização, por meio do site www.campus-watch.org, recomenda uma lista de professores e universidades que, na avaliação do grupo, servem aos interesses da segurança e da política externa americana no Oriente Médio.
O site também recolhe informações sobre estabelecimentos que divulgariam mensagens antiamericanas. Os relatos são fornecidos por alunos.
O criador do Campus Watch, Daniel Pipes, defende a elaboração desse tipo de lista para prevenir a divulgação de doutrinas que pregam o "extremismo" e a "intolerância". Ele argumenta que boa parte dos profissionais dedicados a estudos árabes ou islâmicos nos EUA oferece uma visão distorcida e parcial para os estudantes.
"Acadêmicos [dos departamentos] sobre o Oriente Médio impõem as suas opiniões aos estudantes e, às vezes, esperam que esses alunos abracem esses ideais, punindo aqueles que não o fazem com notas mais baixas", diz em texto do site Campus Watch.
O que poderia soar como uma iniciativa isolada de identificação de profissionais "antiamericanos" encontra respaldo em alguns congressistas americanos. Atualmente está em estudo no Senado uma lei que prevê reformas no sistema de regulação dos departamentos de estudos internacionais das universidades.
Um dos pontos polêmicos do projeto é a criação de um comitê para monitorar as atividades desses departamentos. O texto, já aprovado pela Câmara dos Representantes (deputados), diz que o objetivo da criação do órgão é "fazer recomendações que promovam a excelência dos programas de educação internacional". Essa e outras propostas podem ser incorporadas ou não ao texto final que o Senado deve apresentar ainda neste semestre.
Pipes é, aliás, um dos maiores defensores desse projeto. Como membro do Instituto da Paz dos Estados Unidos, o fundador do Campus Watch tem grande acesso aos congressistas. O instituto é uma entidade apartidária pertencente ao Congresso dos EUA.
O professor Rashid Khalidi, do setor de estudos árabes da Universidade Columbia, em Nova York, vê a legislação com apreensão. "Esse comitê tem a intenção de impor uma agenda restrita aos estudos sobre o Oriente Médio. Essa idéia tem sido apoiada por um grupo de macarthistas que se mostram inimigos da real liberdade acadêmica", disse à Folha.
A referência ao macarthismo diz respeito à política de perseguição aos suspeitos de pertencer ao Partido Comunista nos EUA nos anos 50, liderada pelo senador americano Joseph McCarthy. Um dos instrumentos dessa política era a elaboração das chamadas "listas negras".
Khalidi afirma ainda que a criação desse grupo de supervisores seria uma interferência governamental direta que poderia ser usada barrar a liberação de recursos para departamentos considerados "antipatrióticos".
Barbara Petzen, do Centro de Estudos do Oriente Médio da Universidade Harvard, também critica um monitoramento ostensivo no meio acadêmico. "Do jeito que está, essa lei é uma tentativa de impor uma visão de direita e pró-israelense nos departamentos de estudos do Oriente Médio", diz. "Nosso trabalho é preparar os estudantes para lidar com as nuances das questões do Oriente Médio. A realidade não pode ser só preta ou branca."


Texto Anterior: Restrições impossibilitam entrada de artistas
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.