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Oficial de Guantánamo admite tortura
Encarregada de avaliar processos na base diz ao "Post" que suspeito foi impedido de dormir, exposto ao frio, isolado e humilhado
Qahtani, ainda detido, teria envolvimento com o 11 de Setembro; ex-promotor militar diz que sistema de coleta de provas é caótico
ANDREA MURTA
DE NOVA YORK
Pela primeira vez desde o início da guerra ao terror, um
membro sênior do governo dos
EUA admitiu publicamente a
tortura de um preso na base
militar do país em Guantánamo (Cuba). Em entrevista ao
jornalista Bob Woodward, do
"Washington Post", Susan J.
Crawford, a principal responsável por decidir quem vai a julgamento na base, citou o caso
de Mohammed al Qahtani, 30,
ainda detido por suspeita de
participação no 11 de Setembro.
"Torturamos Qahtani", disse
ela, que ordenou que as acusações contra ele por crime de
guerra fossem retiradas em
maio passado. Relatórios oficiais mostram que o preso foi
submetido a isolamento prolongado, privação de sono, nudez e exposição prolongada ao
frio, o que o deixou em "condição de ameaça à vida".
Todos os procedimentos listados se enquadram na definição de tortura, mesmo se considerada a tentativa do governo
Bush de camuflar alguns deles
sob o nome de "técnicas duras
de interrogatório", cuja aplicação os EUA adotaram no âmbito da guerra ao terror.
Crawford, 61, que tem autoridade final para remeter processos de Guantánamo a julgamento, afirma que concluiu
que Qahtani foi torturado ao
analisar a combinação de técnicas de interrogatório, sua duração e o impacto na saúde do prisioneiro. "Quando pensamos
em tortura, pensamos em algum ato físico horrendo feito
contra um indivíduo. O que
houve não foi um ato particular, mas uma combinação de
coisas com impacto médico e
que prejudicaram sua saúde."
De acordo com seu relato ao
jornal e relatórios militares, o
suspeito sofreu interrogatórios
de 18 a 20 horas seguidas durante 48 de 54 dias. Foi obrigado a ficar nu em frente a agentes do sexo feminino e ameaçado com cachorros do Exército,
além de ser insultado. As práticas foram tão intensas que
Qahtani foi internado duas vezes com menos de 60 batimentos cardíacos por minuto, condição que pode levar à morte.
O suspeito, saudita, foi capturado no Afeganistão e levado a
Guantánamo em janeiro de
2002. Ele teve a entrada negada
nos EUA um mês antes do 11 de
Setembro, e os EUA suspeitam
que ele planejava ser o 20º sequestrador dos aviões usados
nos ataques. Qahtani nega.
O Pentágono afirma que as
técnicas usadas são legais -elas
ferem as Convenções de Genebra sobre os direitos dos prisioneiros de guerra, mas o governo
Bush alega que estas não se
aplicam a suspeitos de terrorismo, aos quais chama de "combatentes inimigos ilegítimos".
Crawford discorda. "Há uma
linha que não pode ser cruzada.
Se toleramos isso (...), como vamos objetar quando nossos militares forem capturados e sujeitos às mesmas técnicas?"
A admissão chega no mesmo
dia em que a Justiça dos EUA
ordenou a libertação por falta
de provas de um prisioneiro de
Guantánamo que foi capturado
em 2002, aos 14 anos. Mohamed el Guarani, do Chade, foi
preso no Paquistão sob suspeita de ter trabalhado para a Al
Qaeda em 1998 -aos 11 anos.
Desafio para Obama
Ainda ontem, um ex-promotor militar que trabalhou em
casos de Guantánamo declarou
a um tribunal federal que o sistema de coleta e análise de provas de Guantánamo é tão caótico que é impossível preparar
uma acusação justa e eficaz.
O quadro, a uma semana da
posse de Barack Obama, espelha o desafio que o presidente
eleito enfrentará para cumprir
a promessa de fechar a prisão.
Um dos problemas é definir o
destino de detidos que, apesar
de não serem julgados, são considerados muito perigosos.
Sobre Qahtani, Crawford
afirmou, por exemplo, não ter
dúvidas de que "ele teria estado
em um daqueles aviões [do 11
de Setembro] se tivesse conseguido entrar no país". "Eu hesitaria em soltá-lo." Anteontem,
o Pentágono disse que 61 ex-detentos voltaram ao terrorismo.
Também não se sabe para
onde os prisioneiros poderiam
ser transferidos a salvo e que
status legal teriam ao entrar em
território dos EUA. Membros
da equipe de Obama afirmam
que ele quer, no primeiro dia de
governo, assinar decreto fechando a prisão, mas a expectativa é que o plano leve um ano.
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