São Paulo, quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

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Oficial de Guantánamo admite tortura

Encarregada de avaliar processos na base diz ao "Post" que suspeito foi impedido de dormir, exposto ao frio, isolado e humilhado

Qahtani, ainda detido, teria envolvimento com o 11 de Setembro; ex-promotor militar diz que sistema de coleta de provas é caótico

ANDREA MURTA
DE NOVA YORK

Pela primeira vez desde o início da guerra ao terror, um membro sênior do governo dos EUA admitiu publicamente a tortura de um preso na base militar do país em Guantánamo (Cuba). Em entrevista ao jornalista Bob Woodward, do "Washington Post", Susan J. Crawford, a principal responsável por decidir quem vai a julgamento na base, citou o caso de Mohammed al Qahtani, 30, ainda detido por suspeita de participação no 11 de Setembro.
"Torturamos Qahtani", disse ela, que ordenou que as acusações contra ele por crime de guerra fossem retiradas em maio passado. Relatórios oficiais mostram que o preso foi submetido a isolamento prolongado, privação de sono, nudez e exposição prolongada ao frio, o que o deixou em "condição de ameaça à vida".
Todos os procedimentos listados se enquadram na definição de tortura, mesmo se considerada a tentativa do governo Bush de camuflar alguns deles sob o nome de "técnicas duras de interrogatório", cuja aplicação os EUA adotaram no âmbito da guerra ao terror.
Crawford, 61, que tem autoridade final para remeter processos de Guantánamo a julgamento, afirma que concluiu que Qahtani foi torturado ao analisar a combinação de técnicas de interrogatório, sua duração e o impacto na saúde do prisioneiro. "Quando pensamos em tortura, pensamos em algum ato físico horrendo feito contra um indivíduo. O que houve não foi um ato particular, mas uma combinação de coisas com impacto médico e que prejudicaram sua saúde."
De acordo com seu relato ao jornal e relatórios militares, o suspeito sofreu interrogatórios de 18 a 20 horas seguidas durante 48 de 54 dias. Foi obrigado a ficar nu em frente a agentes do sexo feminino e ameaçado com cachorros do Exército, além de ser insultado. As práticas foram tão intensas que Qahtani foi internado duas vezes com menos de 60 batimentos cardíacos por minuto, condição que pode levar à morte.
O suspeito, saudita, foi capturado no Afeganistão e levado a Guantánamo em janeiro de 2002. Ele teve a entrada negada nos EUA um mês antes do 11 de Setembro, e os EUA suspeitam que ele planejava ser o 20º sequestrador dos aviões usados nos ataques. Qahtani nega.
O Pentágono afirma que as técnicas usadas são legais -elas ferem as Convenções de Genebra sobre os direitos dos prisioneiros de guerra, mas o governo Bush alega que estas não se aplicam a suspeitos de terrorismo, aos quais chama de "combatentes inimigos ilegítimos".
Crawford discorda. "Há uma linha que não pode ser cruzada. Se toleramos isso (...), como vamos objetar quando nossos militares forem capturados e sujeitos às mesmas técnicas?"
A admissão chega no mesmo dia em que a Justiça dos EUA ordenou a libertação por falta de provas de um prisioneiro de Guantánamo que foi capturado em 2002, aos 14 anos. Mohamed el Guarani, do Chade, foi preso no Paquistão sob suspeita de ter trabalhado para a Al Qaeda em 1998 -aos 11 anos.

Desafio para Obama
Ainda ontem, um ex-promotor militar que trabalhou em casos de Guantánamo declarou a um tribunal federal que o sistema de coleta e análise de provas de Guantánamo é tão caótico que é impossível preparar uma acusação justa e eficaz.
O quadro, a uma semana da posse de Barack Obama, espelha o desafio que o presidente eleito enfrentará para cumprir a promessa de fechar a prisão.
Um dos problemas é definir o destino de detidos que, apesar de não serem julgados, são considerados muito perigosos.
Sobre Qahtani, Crawford afirmou, por exemplo, não ter dúvidas de que "ele teria estado em um daqueles aviões [do 11 de Setembro] se tivesse conseguido entrar no país". "Eu hesitaria em soltá-lo." Anteontem, o Pentágono disse que 61 ex-detentos voltaram ao terrorismo.
Também não se sabe para onde os prisioneiros poderiam ser transferidos a salvo e que status legal teriam ao entrar em território dos EUA. Membros da equipe de Obama afirmam que ele quer, no primeiro dia de governo, assinar decreto fechando a prisão, mas a expectativa é que o plano leve um ano.


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