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Seca aviva insatisfação do campo argentino
Perdas na produção levam ruralistas a retomar críticas a governo em ano eleitoral; Cristina aponta "avareza" do setor
No ano passado, conflito parou país; agora, campo avalia que não há apoio a protestos e tenta atuar em conjunto com oposição
THIAGO GUIMARÃES
DE BUENOS AIRES
A maior seca dos últimos 50
anos na Argentina marca um
novo momento na briga do governo Cristina Kirchner com o
setor rural. Em meio a uma
queda de 20 milhões de toneladas na produção de grãos, o
campo ameaça novos protestos, ganha apoio de governadores e se lança à política formal.
Mas quem ganhou o round
desta semana foi Cristina. Na
quinta, dia marcado pelos ruralistas para divulgar um novo locaute, reuniu 2.000 militantes
na residência presidencial e pediu ajuda "a todos os argentinos" diante da crise mundial.
Criticou a "avareza" de quem
pede isenção de impostos enquanto ainda há "pobreza estrutural" no país. O campo sentiu o golpe e adiou o protesto à
espera de gesto do governo.
O conflito, no entanto, continua em aberto. "A seca agravou
um confronto já existente e
nunca solucionado", afirmou o
analista Fabian Perechodnik,
da consultora Poliarquia.
As desavenças começaram
em 2008. Com os preços agrícolas em alta recorde, o governo elevou impostos sobre exportações de grãos. O setor reagiu e parou o país por quatro
meses, gerando desabastecimento de alimentos e panelaços da classe média. A pressão
acabou derrubando a medida
no Congresso em julho.
A partir daí a disputa deixou
os holofotes. As consequências
da seca, contudo, ficaram nítidas com a chegada do verão.
Queda de 50% na produção de
trigo, estimativa de derrubada
de 60% na colheita de milho,
fotos de gado morto nos jornais. Com isso, os ruralistas retomaram as críticas à política
agrícola -apontam entraves a
exportações, impostos ainda altos e falta de auxílio a atingidos
pela seca.
Atentos ao ano de eleições legislativas, governadores de
Províncias-chave como Santa
Fé e Córdoba retomaram a defesa dos reclamos rurais. Até o
governador de Buenos Aires,
Daniel Scioli, aliado incondicional de Cristina, disse que
"agora o campo tem razão". "A
novidade é que os governadores estão saindo em defesa de
suas economias", afirma o cientista político Julio Burdman.
Emprego e voto
Para o analista Rosendo Fraga, há um cálculo político em
jogo, porque mais trabalhadores da cadeia agroindustrial,
que representa 35% do PIB argentino, estão relacionando
sua estabilidade no trabalho ao
setor rural. "Cerca de 1 em cada
6 eleitores decidirá seu voto
pensando no campo."
Pressionado, o governo acenou ao campo nos últimos meses: reduziu impostos sobre trigo e milho, declarou emergência agropecuária, distribuiu
forragem a produtores sem
passar pelas lideranças. Também tornou gratuito um documento de transporte de grãos
que antes era arrecadado pela
Federação Agrária, o que foi
visto pelas entidades agrárias
como provocação.
"O governo quer dividir as
entidades e colocar a sociedade
contra nós", disse à Folha Alfredo de Angeli, líder da Federação Agrária de Entre Rios.
Com a crise econômica no
topo das preocupações, os dirigentes rurais avaliam que não
há apoio popular a medidas de
força -defendem portanto a
entrada direta na política. A
Sociedade Rural Argentina
promoverá reuniões pelo interior para "canalizar a participação do campo na política".
"A sociedade está cansada
desse conflito, há mais problemas. Por isso temos que fazer
com que os partidos assumam
os temas do setor", afirmou
Eduardo Buzzi, presidente da
Federação Agrária.
De olho nos votos do campo,
adversários de Cristina tentam
arregimentar os dirigentes rurais. A questão é saber para onde vai a opinião pública. Segundo pesquisa da Management &
Fit feita neste mês na Província
de Buenos Aires, 50% dos entrevistados disseram considerar justo que o campo continue
protestando; já para 25%, o setor deveria se conformar com
as medidas anunciadas.
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