São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2009

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Seca aviva insatisfação do campo argentino

Perdas na produção levam ruralistas a retomar críticas a governo em ano eleitoral; Cristina aponta "avareza" do setor

No ano passado, conflito parou país; agora, campo avalia que não há apoio a protestos e tenta atuar em conjunto com oposição


THIAGO GUIMARÃES
DE BUENOS AIRES

A maior seca dos últimos 50 anos na Argentina marca um novo momento na briga do governo Cristina Kirchner com o setor rural. Em meio a uma queda de 20 milhões de toneladas na produção de grãos, o campo ameaça novos protestos, ganha apoio de governadores e se lança à política formal.
Mas quem ganhou o round desta semana foi Cristina. Na quinta, dia marcado pelos ruralistas para divulgar um novo locaute, reuniu 2.000 militantes na residência presidencial e pediu ajuda "a todos os argentinos" diante da crise mundial.
Criticou a "avareza" de quem pede isenção de impostos enquanto ainda há "pobreza estrutural" no país. O campo sentiu o golpe e adiou o protesto à espera de gesto do governo.
O conflito, no entanto, continua em aberto. "A seca agravou um confronto já existente e nunca solucionado", afirmou o analista Fabian Perechodnik, da consultora Poliarquia.
As desavenças começaram em 2008. Com os preços agrícolas em alta recorde, o governo elevou impostos sobre exportações de grãos. O setor reagiu e parou o país por quatro meses, gerando desabastecimento de alimentos e panelaços da classe média. A pressão acabou derrubando a medida no Congresso em julho.
A partir daí a disputa deixou os holofotes. As consequências da seca, contudo, ficaram nítidas com a chegada do verão. Queda de 50% na produção de trigo, estimativa de derrubada de 60% na colheita de milho, fotos de gado morto nos jornais. Com isso, os ruralistas retomaram as críticas à política agrícola -apontam entraves a exportações, impostos ainda altos e falta de auxílio a atingidos pela seca.
Atentos ao ano de eleições legislativas, governadores de Províncias-chave como Santa Fé e Córdoba retomaram a defesa dos reclamos rurais. Até o governador de Buenos Aires, Daniel Scioli, aliado incondicional de Cristina, disse que "agora o campo tem razão". "A novidade é que os governadores estão saindo em defesa de suas economias", afirma o cientista político Julio Burdman.

Emprego e voto
Para o analista Rosendo Fraga, há um cálculo político em jogo, porque mais trabalhadores da cadeia agroindustrial, que representa 35% do PIB argentino, estão relacionando sua estabilidade no trabalho ao setor rural. "Cerca de 1 em cada 6 eleitores decidirá seu voto pensando no campo."
Pressionado, o governo acenou ao campo nos últimos meses: reduziu impostos sobre trigo e milho, declarou emergência agropecuária, distribuiu forragem a produtores sem passar pelas lideranças. Também tornou gratuito um documento de transporte de grãos que antes era arrecadado pela Federação Agrária, o que foi visto pelas entidades agrárias como provocação.
"O governo quer dividir as entidades e colocar a sociedade contra nós", disse à Folha Alfredo de Angeli, líder da Federação Agrária de Entre Rios.
Com a crise econômica no topo das preocupações, os dirigentes rurais avaliam que não há apoio popular a medidas de força -defendem portanto a entrada direta na política. A Sociedade Rural Argentina promoverá reuniões pelo interior para "canalizar a participação do campo na política".
"A sociedade está cansada desse conflito, há mais problemas. Por isso temos que fazer com que os partidos assumam os temas do setor", afirmou Eduardo Buzzi, presidente da Federação Agrária.
De olho nos votos do campo, adversários de Cristina tentam arregimentar os dirigentes rurais. A questão é saber para onde vai a opinião pública. Segundo pesquisa da Management & Fit feita neste mês na Província de Buenos Aires, 50% dos entrevistados disseram considerar justo que o campo continue protestando; já para 25%, o setor deveria se conformar com as medidas anunciadas.


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