São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2009

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Jovens do Irã criam vida paralela

Entre quatro paredes, consumo de bebidas alcoólicas e música eletrônica burlam vetos da República Islâmica

Donos da segunda maior blogosfera do mundo, com 800 mil páginas e atrás apenas da China, iranianos driblam a censura religiosa


Atta Kenare - 5.fev.09/France Presse
Mulheres iranianas passam por muro com pôster do aiatolá Ruhollah Khomeini, líder da Revolução Islâmica de 1979, em Teerã

RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL A TEERÃ

Oficialmente proibido no Irã, o álcool circula fácil nas festas de classe média e alta de Teerã. A US$ 50 a garrafa de uísque e US$ 10 a de cerveja, amigos fazem vaquinha para comprar clandestinamente bebida contrabandeada da Turquia.
Estima-se que 10 milhões de litros de álcool sejam consumidos por ano no país.
No moderno Cinema Liberdade, onde o ingresso custa o equivalente a R$ 2, casais de namorados assistem aos filmes trocando beijos furtivos. O bilheteiro não pergunta se são casados ou não.
Moças encontram os namorados em cafés, levando uma amiga a tiracolo para não levantar suspeitas. Em poucos minutos, a amiga some e deixa o casal em estado de graça.
No Irã, não há discotecas ou barzinhos, e homens e mulheres solteiros não podem andar juntos. Não há escolas mistas.
Mas em pleno governo do ultraconservador presidente Mahmoud Ahmadinejad, os jovens iranianos estão fazendo sua própria e sutil revolução.
Resignados ao conservadorismo no espaço público, eles driblam as leis e transformam o espaço privado -sobretudo a internet- em território livre.
A Folha conversou com dez dos blogueiros mais lidos do país e foi a algumas festas de jovens da cidade.
Viu iranianos de ambos os sexos, solteiros, conversando, dançando, paquerando. As moças exibem suas cabeleiras sem véus dentro de casa.
A trilha sonora é de música eletrônica com ritmos tradicionais persas, feitas por DJs iranianos radicados nos EUA.
Mulheres dançam sobre saltos altíssimos, minissaias curtas e até tops. Dançam na pontinha dos pés, mesclando danças indianas de Bollywood e rebolados árabes. Homens dançam vigorosamente, seguindo a coreografia sensual das parceiras. Desafiando as regras do regime islâmico, há um clima de vitória no ar.
"Nós estamos resignados em não conseguir mudar a política, mas o governo anda resignado com as nossas contravenções. Não haveria cadeia para todo mundo", comemora o analista de sistemas Shayan, 26.
Ao contrário da China comunista nos anos 50 ou da Coreia do Norte de hoje, a juventude iraniana não está completamente isolada do mundo exterior e tem acesso à informação, apesar das proibições.
"Sei que as garotas da minha idade em qualquer lugar do mundo têm mais liberdade que eu", diz Samira, 23, blogueira há seis anos. "Odeio a revolução, todos da minha idade não gostam de religião."

800 mil blogueiros
Sem confiar na mídia estatal - a programação de TV é tomada por propaganda oficial e orações - os jovens mergulharam na internet. Com 800 mil blogs, é a segunda maior blogosfera do mundo, atrás só da China. Dos 70 milhões de iranianos, 20 milhões têm acesso à rede.
A censura é rigorosa e usa filtros potentes. Ao digitar palavras como "feminismo", "democracia", "Aids", "gay" ou "Israel", as páginas ficam automaticamente bloqueadas.
Mas os blogueiros já usam servidores proxy e outras ferramentas tecnológicas para driblar a censura. Assim um vídeo amador que exibia um aiatolá em relações sexuais com uma moça que evidentemente não era sua esposa circulou pelo país -e o aiatolá foi preso.
Sinal dos tempos, sites como YouTube e Facebook acabam de ser desbloqueados no país.
"O Orkut foi bloqueado aqui por causa dos brasileiros. Vocês colocavam muitas fotos sensuais que causavam escândalo ao nosso governo", reclama o ator Farshad, 25.
O jeitinho iraniano contrasta com a promessa do governo Ahmadinejad de acabar com a liberação dos costumes iniciada pelo seu antecessor reformista, Mohammed Khatami.
Em 2005 e 2006, houve vários casos de moças presas em casa por trajarem calças muito curtas e de homens condenados à morte após a quarta prisão por consumo de álcool.
"A liberdade política é um sonho, resta a liberdade individual", diz o blogueiro Amin, que mora a 400 km de Teerã. "Mas no interior, entre os mais pobres, essa pequena revolução está longe de acontecer."


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